quarta-feira, 21 de novembro de 2012

BAFO QUENTE DE UM PASTEL BARATO SEM RECHEIO

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Algumas coisas passam por nossas vidas sem a percepção devida. Alguns têm sua vida toda passando pelos olhos e nem se dão conta. Bem como lembrar-se do guarda-chuva depois de começar a tempestade ou descobrir um câncer já na fase terminal.
Olhos abertos nem sempre apontam para o lugar certo.

Imagine se pudesse voltar ao tempo.
Numa grande máquina ou um carro como o Delorean e voltar vários anos atrás.
Imagine confrontar todos os seus medos irremediáveis que não se importam se é de dia ou de noite. Os monstros te arrancam a paz e devoram-lhe a alma com um sorriso sinistro no rosto.

Bem, você voltou no tempo. Aquele tempo que você era um cara feliz e tinha coisa para lhe tomarem, logo, o passado não é feito só de tormento e apocalipses. Naquele tempo de dias de comercial de cerveja você também reviveu os sorrisos, as palavras adocicadas como doce de banana. Reviveu as juras de amor eterno e as confidências, bem como saber que não era só você que assustava-se com aquele amor sem medidas, infinito, como um vulcão de tão intenso.

Eis que você poderia jurar que aquele momento tenha sido só um sonho, daqueles de implorar com todas as forças para não acordar. Mas se era um sonho bom, você não lembraria, pois nunca lembra-se dos sonhos bons, lembra?

Você voltou no tempo por alguns instantes e os olhos secos de outrora agora nadavam no mar de Poseidon de seus desejos. Era um mar de emoção, sem tristezas e você estranhou aquilo. Sabia o que era aquilo? Não, não sabia. Já tinha se esquecido.

Era alegria e não reconhecia a palavra, logo, buscou seu significado em todos os dicionários, em todos os idiomas e nenhum deles, absolutamente nenhum pode traduzir aquela sensação que transbordava seu peito que há tempos estava tão oco e descartável como uma lata de cerveja vazia numa segunda-feira de manhã.  Algo em seu inconsciente, na tentativa de trazê-lo aos tempos modernos alertava-o sobre a distância, mas... Distância?

Sentia tudo aquilo ao pé do ouvido. Poderia jurar que ouvia o deleite do tom de voz, cada nota. Jurava que sentia a respiração remexer seus pelos. Pôde imaginar cada sorriso e cada feição de saudosismo. Podia sentir alguma coisa e isso por si só já era uma grande novidade para quem por milênios não sentira sequer o bafo quente de um pastel barato sem recheio. Então você voltou ao tempo e percebeu que nem mesmo o passado está igual. Até mesmo ele dissimulou-se com a alquimia do Destino e tornou-se só mais um largo buraco negro numa história parecida com suas lembranças. Ao lembrarmos de algo só resgatamos as partes boas da memória e vice-versa. O resto sequer vale a pena.



Bento.

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

MEU PAI TRAVESTI II - Insônia


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Fazia algumas semanas que Soraia estava morando num dos apartamentos acima do bar da minha mãe, ou meu pai, ou seja lá o que for considerado um ser que se veste como minha mãe, porém tem um pinto no meio das pernas. De qualquer forma, isso era complicado demais para eu pensar naquela noite. Eu e Soraia tínhamos fumado tanta maconha de manhã que dormimos a tarde inteira, logo, quase três da manhã lá estava eu. Na janela do meu quarto, com meia garrafa de tequila roubada do bar, um saco de Doritos, uma bagana do tamanho de um charuto e uma insônia com razão.

Eu não queria me aprofundar em qualquer assunto que exigisse mais que alguns segundos de exercício do meu cérebro. Aliás, eu nunca estava muito a fim de me aprofundar em nada. Certa vez, eu zapeava os canais na minha TV, passei a tarde inteira fazendo isso e fumando. Foi quando parei num canal de clipes de música e assisti alguns negros cantando Hip Hop. Foi ali, bem ali, através daquelas letras desesperadoramente tristes que pensei pela primeira vez em me suicidar, mas aí, sentado ali, calibrando um grande baseado, só de cueca e meias que percebi. Teria um grande trabalho caso escolhesse acabar com aquela inutilidade que era minha vida. Escolhi manter-me em minha teimosia de ver no que vai dar toda essa merda e continuar carburando.

Então hoje não me prendo muito a assuntos profundos. A grande maioria das pessoas hoje levam uma vida toda querendo parecer inteligentes, letradas, por dentro de assuntos da moda e etc. Acabam então, esquecendo que a maior parte das coisas problemáticas do mundo estão exatamente nesses bostas que esquecem dos seus problemas para cuidar dos problemas dos outros.

Mas do que é que eu estou falando? O dia que eu for exemplo para alguém façamos as malas e partimos rumo à Marte. Ou ao inferno.

Agora que acabei de lamber os dedos para aproveitar os farelos que restou do salgadinho decido finalmente por fogo em meu charuto. Eram eu, a tequila, o back e meus pensamentos entediantes. Tinha também o cara que eu observava pela janela. Ali sentado, fumando um cigarro atrás do outro e parecia falar sozinho. Talvez eu não fosse o único deprimido naquele quarteirão. Talvez estivesse esperando alguém para entrar no Motel do outro lado da rua. Neste caso, ele estava bem melhor do que eu, afinal, apesar de ganhar uma chupada diária de Soraia ela ainda se mantinha decidida em não abrir as pernas para mim e isso, definitivamente, me deixava bem mais deprimido que qualquer um ali naquele quarteirão ou em qualquer outro.

Horas se passaram, após presenciar diversos casais passando abaixo de minha janela, me deu vontade de ter Soraia por perto, mas ela tinha ido viajar com alguns amigos. Ela não me chamou e eu fingi que não queria ir. Ora, eu era um gordo que tinha um travesti como mãe. Sobre o que conversaria com as pessoas?

Muito prazer. Sou Alaor e passo o dia bebendo, fumando maconha e recebendo sexo oral de uma garota que provavelmente desmentiria caso eu contasse a alguém. Ou pior, ninguém acreditaria. Sou só um fracassado que ocupa um grande espaço num mundo cheio de merda.

Apesar de não querer me prender em qualquer assunto, fiquei pensando quem estava se prostituindo mais. Eu ou Soraia?
Droga de tequila. Toda vez que a bebia ficava filosófico, encarnava o Chico Xavier, porra de pensamento chato. Não tinha o mesmo problema com vodca, mas o estoque estava acabando e logo minha mãe sentiria falta das garrafas. Já a tequila estava esquecida no fundo de uma prateleira. Sabe como é boteco, ninguém pede tequila, pedem 51 e coisas do tipo.

Talvez eu estivesse apaixonado, talvez eu fosse um idiota. Poderia ser qualquer coisa, mas se tivesse que escolher escolheria a segunda opção.
Por motivos óbvios, me apaixonar não era uma opção, não era uma coisa que terminaria bem como nos filmes ou desenhos da Disney. Eu não sirvo nem para Fera, não tenho um castelo. Além de horrível, gordo, sou pobre pra cacete. Me apaixonar seria além de loucura, burrice.

Já aconteceu uma vez, tive uma namorada certa vez e foi legal no pouco tempo que durou, porém, terminou como deveria. Ela se encheu da minha mediocridade e deu o fora e me sobrou a fossa. Ou seja, nada original.
Nem sei o motivo dela querer namorar comigo, até hoje penso sobre o assunto e não descubro. Só poderia ser doida, estar com raiva da própria existência. Não sei.

A doida chamava-se Fabiana. Nos conhecemos no bar, ela vinha até aqui comprar cervejas para o pai aleijado.
Ela estudou no mesmo colégio que eu e de tanto vir aqui resolveu puxar assunto uma vez. Fabiana não tinha muito o que se achar bonito, mas pelo menos  ela não babava nem cheirava mal. Tinha olhos puxados e a pele morena. Um grande nariz de batata e os cabelos lisos até o meio das costas, a melhor coisa que tinha era o cabelo. Parecia uma boliviana ou coisa do tipo. Porém mais tarde fui descobri que vinha de uma cidadezinha de algum lugar do Nordeste.

Já havia visto a garota no colégio, quando eu ainda o frequentava, mas naquele lugar as garotas não eram muito o meu forte, até por que, as únicas que perdiam tempo falando comigo era para me chamar de filho de travesti e dizer que adoravam os vestidos e sapatos de meu pai.
É difícil tentar flertar com uma garota quando seu pai compra lingeries na mesma loja que elas e, as mães delas.

Só que Fabiana era diferente. Talvez por ter um pai aleijado ela tivesse um estômago mais forte e mais habituado com as merdas que Deus pode te proporcionar. O fato é que nos aproximamos e quando dei por mim estávamos nos beijando escondidos em meu quarto. Eu já estava com meus 22 anos e ela chegara à maioridade há alguns meses.

Ninguém sabia, nem era eu quem contaria que eu já tinha conhecimento sobre o que ela fazia para sustentar a casa sem emprego e sem a aposentadoria do pai paraplégico. Antes da banalização da internet eu possuía uma das maiores coleções de filmes pornôs do país. Era um grande colecionador, tanto que comprava e revendia alguns filmes clássicos e ganhava um bom dinheiro com isso. Cheguei a pegar quase cinco mil reais num dos primeiros títulos de garganta profunda da história do mundo pornô. Um dia, numa nova aquisição, Back, vodca e papel higiênico de prontidão, me preparava para ver meu novo filme e começar meu mantra masturbatório diário quando reconheci a atriz principal do filme de imediato.

Nos créditos seu nome era Palloma, mas eu sabia que era Fabiana quem estava ali. Ela e mais três criolos com cacetes que mais pareciam braços de tão grande. Minha surpresa não foi vê-la transar com três caras, muito menos dotados de cacetes gigantes. Eu fiquei surpreso mesmo de saber que ela tinha um dom nato para engolir espadas. Se não estivesse fazendo aquele filme poderia facilmente trabalhar no circo ao lado da mulher barbada e o trapezista. E os três cavalos fizeram de tudo com ela. Duas horas e meia daquilo que parecia uma tortura ditaduresca, mas ela mostrava gostar e sorria para a câmera.

Confesso que num primeiro momento eu fiquei chateado de ver a garota pela qual eu estava apaixonado sendo fodida - às vezes ao mesmo tempo - por aqueles negros tripedes, porém, eu tinha vinte e uns e só havia comido putas em toda a minha vida. Vi ali uma ótima oportunidade de transar loucamente com uma atriz pornô, logo eu, que era um aficionado pela arte. No entanto, quando ela descobriu que eu sabia de seu segredo terminou nosso relacionamento dizendo estar envergonhada e com peso de consciência. Também disse estar com nojo de mim por querer tirar proveito daquela situação. Nojo de mim? Respondi que não fora eu quem engolira esperma de três cavalos, suficiente para encher uma caixa de leite. E assim ela se foi.

Fabiana ganhou um bom dinheiro com os filmes e mudou-se para um bairro afastado do centro, nunca mais a vi. Acho que bateu o sono. Boa noite.



Bento.

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

OLHOS VERDES QUE VESTEM RIMEL


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Eu queria começar dizendo que talvez eu possa ser um pessimista. Não que eu me esforce para isso, algumas coisas simplesmente acontecem. Ou você nasce com isso, mais ou menos como orelhas de abano ou sorriso com covas. Porém, dizer que eu sou pessimista é simples demais. Tão sem sal e sem açúcar para um sujeito como eu que gosta de complicar as coisas.
Bem como um amigo que não vejo há tempos. Quando saíamos para beber e conhecer garotas ele sempre dizia mirando o dedo para uma bela garota: essa daí não! E não tinha discussão, tentávamos fazê-lo mudar de ideia, mas nada funcionava. Ao indagarmos sobre a birra que tinha com algumas garotas, apesar de bela ele profetizava: essa aí é uma pré-gorda, ela ainda não sabe, mas será gorda no futuro e como toda gorda, será carente e ciumenta. Não entendíamos muito na época, porém, ele preferia assim, esperar sempre o pior.

Já eu poderia dizer que sou um dramático irremediável, daqueles que fazem de uma recepção de dentista uma tragédia shakespeariana. Então isso pode ser uma coisa para se preocupar e talvez trocar a recepção do dentista pelo analista, ou seja, só um caso de ótica incomum.

De qualquer forma, essa dramaticidade se deve muito a falta de fé naquele romantismo aficionado pelas novelas e o cinema. Desacredito em moçinhos e pessoas que devolvem malas de dinheiro achadas na rua. Eu prefiro acreditar que existe sim, bondade em todos nós, mas na mesma quantidade que existe a maldade. Somos todos seres ambíguos. Se duvida, faça uma experiência. Coloque um grupo de pessoas numa sala e os deixe sem alimento e água por um bom tempo e terá uma carnificina seguida de um banquete de carne humana. Pode chamar de sobrevivência, instinto e etc., etc., etc. Eu chamo de natureza, fato corriqueiro. O ser humano só é bom por comodidade, para que a vida em sociedade seja algo possível e agradável. Basta os quesitos "viver" e "sociedade" estarem em risco e lá se vão o bom senso e civilidade. É simples assim.

Ainda falando dessa ambiguidade eu, ranzinza que sou, me pego reclamando de uma tempestade quando a mesma se despede para dar lugar ao sol de arco-íris e voltar a lamentar-me por não ter tirado um bom cochilo durante a chuva.

Praguejo por coisas que nem me lembro mais do porquê. Relembro coisas do passado só para fechar a cara e manter o estado de espírito, preciso disso, é minha fonte de agonia e inspiração. Caso contrário escreveria sobre flores do campo e crianças com lares perfeitos, um saco, tudo seria um saco de estrume sem pretendentes.

Pensei nisso ao conhecer uma garota e perceber que lá estava eu em busca de algo para reclamar. Como seria? Me foquei em seus pés, deveria ter uma unha torta ou um calo amarelo e nada. Então seriam as rugas dos joelhos que fariam meus olhos revirarem e não passou nem perto. Seu cabelo era lindo, loiro e cheiroso. A vaidade dela era tão grande quanto desejada. Os olhos eram verdes e vestiam rimel. Fui atrás de gorduras extras e ela era magérrima. Sabendo que sua aparência física estava em ordem pensei em buscar algo para acusá-la em nossa relação e nem assim obtive sucesso. Poucas vezes tive alguém que quisesse tanto me agradar. Desisti. Não dela, é claro, desisti de procurar nela, algo que me desse motivos para lamuriar, logo, sobrou-me discutir e reclamar de mim mesmo.


Bento. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O QUE PENSAM OS MEDÍOCRES?


Não sei o que pensam os sonhadores, aqueles que se deixam levar por boatos do inconsciente remediando um futuro catastrófico.

Não sei o que pensam os inocentes. Aqueles que se julgam alheios às peripécias do Destino e se incluem nos grupos seletos de uma força maior, de Deus, do plano desconhecido e etc., etc., etc. Não acredito nem em inocentes e nem em planos mirabolantes.

Não sei no que acreditam os odiosos incontroláveis que se dispõem a apontar seus dedos gangrenados e pobres ao léu na busca incessante de jogar a culpa em alguém e se indispõem até consigo mesmo.

Nem sei o que pensam os felizes, aqueles que têm chaves para todas as portas e desejos realizados. Num mundo onde todos pisam em ovos, eles flutuam como anjos etéreos domesticando os infelizes mais ignorantes e desistentes.

Não pense que estou alheio a tudo isso. Admito minha ignorância, porém observo.
Analiso como telespectador comedor de pipoca e bebedor de Coca-Cola. Transmito os risos e lágrimas como num filme de terror-documentário de comédia-romântica-dramática. Não paguei meio ingresso, assisto num todo, praticando minha pieguice e fanatismo pelos personagens mais incorretos. Admiro só o que posso visualizar em mim mesmo. Culpa, culpa, culpa minha, assumo. Nem sempre, digo, quase nunca torço pelo mocinho tedioso de tão correto.

Deve estar se perguntando por que faço tanta alusão a filmes e ao cinema. Respondo que é mais um dos vícios e fracos. Tão fraco e com tantos vícios, que eu insisto em lembrá-los nas comparações mais inoportunas.

Eu se pudesse faria filmes tristes, mas sem finais e explico: você nunca verá ninguém sair de uma sala de cinema reclamando do começo ou do decorrer do filme. As críticas sempre se tratam do final. Se o mocinho morre, desagradam os hipócritas-bom-samaritanos. Se o vilão morre no fim, desagrada os antipáticos–underground–antissociais-maquiavélicos. Ou seja, impossível agradar a todos, tanto quanto agradar-me nessa incessante tragédia da vida literária que criei para a personagem vivida por mim todos os dias de minha vida. Tudo bem, talvez não tenha escolhido eu mesmo, talvez me tenha sido entregue numa incontinência pirata e irreparável de me prejudicar. No entanto não ligo, não me ligo, não mais, pois não sei o que pensam os deuses, o Deus, o Diabo, o canhoto. Não sei o que pensam os bons ou os maus, os nômades e os lázaros. Não sei o que pensam os bárbaros e os civilizados. Só me entendo com os lunáticos e malucos e doidos e insanos e...



Bento.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

UM CRENTE QUASE ATEU, CÉTICO, AGNÓSTICO, COM ARES DE JOGADOR DE POKER

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Apesar de usar um terço no pescoço posso contar nos dedos quantas vezes entrei em uma igreja católica, se for tirar os poucos casamentos eu fui em toda a minha vida eu reduzo esse número para quase zero.
Sendo assim pouco tive a oportunidade de estar na presença de uma freira, uma ou duas vezes, que me lembre, andando pela rua em pares indo sei lá para onde, sabe Deus fazendo o quê. Aliás, o que faz uma freira eu sinceramente não sei.

Aquelas coisas de criança como catequese e outras coisas? Nunca participei. Sou um ignorante no assunto. Confesso.
Curioso é que no dia de hoje passou por mim duas freiras. Não sei dizer se eram as mesmas, não reparei tanto assim, de qualquer forma é curioso.

Se você está se perguntando onde eu vou chegar com isso a resposta é simples: em lugar nenhum. É só coisa de quem não tem sobre o que falar, mas é preciso começar o texto de algum lugar, o que vier depois é luxo.

Mas ainda falando sobre freiras, fico pensando o que leva uma mulher a dedicar-se totalmente à Deus ao ponto de abdicar de todo um mundo repleto de pecados deliciosos por cometer.

Porém depois de algum tempo refletindo chego a conclusão, que pode não ser a verdadeira, de verdades cada um que fique com a sua, no máximo deixo que peguem a minha emprestada desde que devolva-me do jeito que encontrou. Vamos para minha reflexão: penso nas mulheres do meu convívio e até aquelas que ouço falar e afirmo que não existe ser no mundo tão capaz de abrir mão de coisas pelo amor. A mulher deixa-se tomar por tal poder de se dedicar por completo. Abre sim, mão de tudo o que gosta apenas pela promessa de ser ainda mais feliz com a vida da qual sempre sonhou. Talvez por isso somente a mulher tenha o dom de dar a vida, de ser mãe. Vejo as mulheres que sofrem com a traição do amor e abrem mão do orgulho para que mantenham a imagem de uma vida amorosa perfeita e assim assegurar o sonho do príncipe encantado que tinham desde a infância.

Já o homem é incapaz de abrir mão de qualquer coisa, exceto se houver sexo no meio da história. Não que o homem ame menos, nós só somos mais teimosos e traiçoeiros. Vejam os padres e seus casos de pedofilia, abrem mão do sexo em nome da fé, mas dão um jeitinho.


Bento.

Dedica-se a Diego Schaun

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

GIULIARD BORSANDI VII


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Indica-se ler os episódios anteriores: GIULIARD BORSANDI VI


Eu já pensava na morte da bezerra, pensava em como estaria Nelia, Ricardinho e a puta que pariu.
Ficar bêbado é uma merda, beber sozinho também. Começamos a pensar em coisas que não queremos pensar, em pessoas que não queremos pensar.
Aquela música de merda tocando no meu ouvido e fazendo meus tímpanos explodirem, já estava clamando pela tal bandinha que iria tocar naquela noite. Não que fosse muito boa, mas era melhor que aquela música eletrônica de retardado que me dava vontade de cortar os pulsos. Mais meia hora daquilo e eu acharia a banda Qasual, que era a atração da noite, quase um Led Zeppelin. Exagero meu, mas aquela música eletrônica me dava nos nervos. Jamaica gostava.

O bar já estava cheio e Jamaica não parava. De um lado para outro servindo os recém-chegados. Agora já estou na sexta caneca e consequentemente a sexta dose de whisky - Jack Daniels, abaixo disso é água suja - quando me surpreendo com uma mulher sentando ao meu lado, num vestido negro que, sentada, quase dava para ver suas nádegas.

- Oi. Posso me sentar aqui?

Ela tinha trinta e quatro anos. Suculenta. Um rosto de mulher que, sim, eu toparia levá-la até meu escritório para olhar debaixo daquele vestido, caso ela não fosse um trabalho.
Ela, era Janaina Alves, vocês devem conhecê-la como "mulher do pastor".

- Claro que pode. Você pode tudo.

Respondi dando mole para ela, pois realmente fiquei interessado naquele vestido e em tudo o que continha debaixo dele, porém me contive. Pô! O pastor iria me pagar uma bala por àquilo. Valia mais que uma transa com uma vadia qualquer.

Transar com vadias não pagava conta. E eu estava com muita sorte para ela aparecer ali, num dia de folga, quando eu já tinha perdido vários dias atrás de uma oportunidade de pegar aquela safada prevenida. Hoje ela tinha se descuidado, não por querer, mas o destino às vezes coopera. Quem diria que a puta apareceria no mesmo bar que seu delator, num dia de folga e num dia que o pastor estaria em casa dormindo. Pelo que eu sabia.

A mulher me olhava com cara de desejo, eu já estava bêbado e de pau duro, ela era gostosa e o álcool sempre me deixava mais excitado.

Era a sétima caneca, servi uma para ela, eu pensava em quanto eu ganharia com essa história do pastor e pensei em avisá-lo. Mas mesmo que eu a levasse para um quarto de motel, como eu poderia fotografar ou filmar esse tipo de coisa quando eu mesmo estivesse fazendo parte. Corria-se também o risco do pastor ficar puto comigo e não querer me pagar, nunca se sabe o que se passa na cabeça de um corno, principalmente um corno evangélico. Então fui devagar...

Paguei uns drinks para a moça e continuamos conversando. Ela me queria, estava claro para quem quisesse ver, não que eu fosse muita coisa, ela escolheu o primeiro que estava na frente dela, quis o destino que fosse eu, mas poderia ter sido o Zé, o Mané, ou até o Guião, se ali estivesse.

Era isso! Por isso que eu bebo, penso melhor assim. Dou um fora na mulher e ela vai procurar qualquer outro cara para satisfazer sua libido de mulher da vida.
Talvez eu até entenda o motivo para ela sair às escondidas para trair o marido, pelo pouco que conheci do pastor, duvido muito que ele tenha gás para apagar o fogo de uma gostosa como esta. Puta mulher gostosa.

 - Bem Janaina, gostei muito de conversar com você, mas sei que você deve estar querendo diversão essa noite e não ficar aqui perdendo tempo comigo...

Então Janaina me interrompe fazendo a sua cara mais sensual da noite:
 
 - Então nós vamos nos divertir em outro lugar?

Eu não consegui segurar o riso de criança que ganha um brinquedo novo. Porra! Meus hormônios me diziam para mandar o pastor para a puta que pariu e comer àquela senhora quantas vezes fosse possível, afinal, era meu dia de folga. Mas minha razão ainda estava sóbria e se eu tivesse que fazer uma social com ela depois do sexo provavelmente eu iria querer me matar, tamanho tédio, ou acabaria soltando alguma indireta que faria com que ela percebesse que eu sabia de sua vida mais do que ela já tinha me revelado.
Pensei que esse puritanismo ainda iria me foder, mas...

 - Não, gata. O que eu quero dizer é que sou casado e não quero atrapalhar sua noite, portanto, acho melhor você ir se divertir.

 - Mas eu também sou casada e se isso não é problema para mim, acredito que não será para você. Ela era uma profissional. Já devia ter feito aquilo várias vezes. Estava acostumada e totalmente disposta a arrumar uma transa.

 - Olha, não vou te julgar. Você deve ter seus motivos para isso. Porém, não traio minha esposa. Continuei mentindo.

Ela desistiu. Tomou o restante de seu Martini e me deu um beijo molhado no rosto. Quase enfartei com aqueles seios deliciosos próximos ao meu rosto. Senti seu perfume doce e meu pau ficou ainda mais rijo. Eu iria explodir.

Fiquei olhando ela se sentar numa mesa mais próxima do palco.
Uma mulher como aquela, rica, madura e muito gostosa, só poderia estar sozinha num bar como aquele com um só propósito; sexo selvagem com um cara que sequer perguntasse seu nome e que nunca mais o encontrasse na vida.

 - To te estranhando guri. Tá dispensando mulher, agora? Perguntou Jamaica sem me deixar notar que estava observando minha conversa com a mulher do pastor.

 - Só tenho olhos pra você magrela.

Respondi com um sorriso irônico nos lábios. Ela sorriu balançando a cabeça percebendo a ironia.
Evidente que eu não desperdiçava uma oportunidade de trepar se não houvesse um bom motivo. Como o de hoje com a mulher do pastor. Mas a parte de só ter olhos para Jamaica não era tão inverdade assim. Como já disse, ela era a única garota que eu conhecia que poderia me fazer esquecer a vadia da Nelia. Mas enfim...

Não demorou muito para que um roqueiro musculoso sentasse na mesma mesa que Janaina e começassem a conversar intimamente. Era agora, assim que saíssem do bar eu os seguiria e completaria meu trabalho. Afinal, eu sou Giuliard Borsandi, detetive particular. Mesmo que a contragosto.



Bento.

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

VIANCO, CARPINEJAR, NELSON, RAUL E BUKOWSKI


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Passei a contestar o fato de trabalhar o mês todo e o salário nunca - repito - NUNCA durava o bastante, assim passei a me interessar por política e para quem eu estava dando meu voto de confiança. Assim como na vida que percebi que eu já escolhia quem eu queria por perto ou não.

Algum tempo se passou e assim como o país minha vida financeira melhorava, mas nada que a inflação e os juros do meu cartão de crédito não tratassem de acabar com minha alegria.

Minha vida sentimental fora tomando rumos extremos e meus defeitos vinham à tona como espinhas na adolescência. Bem como os mensalões e quedas de ministros. Então um dia decidi que precisaria fazer alianças para governar minha vida que já era quase uma guerra civil, logo, criei uma lei de que passaria longe de qualquer mulher comprometida. Como se estivesse de frente à uma prateleira de supermercado e deixasse de escolher produtos que não tivessem acordos de redução de tributos para importação.
Afinal, ser amante é como pedir empréstimo, depende da disponibilidade de crédito para enfim, gozar.

Foi quando me tornei presidente de minha vida. Eleito com cem por cento de aceitação sem segundo turno.
Nomeei alguns "desconhecidos" do qual eu confiava plenamente para me ajudar como ministros. Raul Seixas, por exemplo, era meu Ministro do Planejamento, indicando caminhos certos e investimentos de alto risco no qual eu poderia chamar de "maluquices características em torno de autoabsolvições".

Já Nélson Rodrigues era o meu Ministro da Justiça, com ele aprendi que, até os caminhos mais prazerosos podem acabar mal e, os caminhos não tão prazerosos assim podem acabar piores ainda.

André Vianco era meu Ministro da Cultura e me ensinou a acreditar no inimaginável, apostar no que ninguém acredita, afinal, o credo é uma opção de escolha.

Fabrício Carpinejar me influenciou a ver as coisas mínimas, a solidão das multidões e a alegria de uma tarde de barriga para cima no sofá calçando apenas meias. Portanto, era meu Ministro de Relações Exteriores.

Por fim, Bukowki, o da Casa Civil, me mostrou que até os mais sérios políticos têm seus dias de fúria, com drinks em festas particulares e prostitutas descartáveis e ensandecidas em busca de peças para completar o vazio de suas vidas, bem como eu.


Bento.

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terça-feira, 2 de outubro de 2012

VIDA DE QUINTA CATEGORIA


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Eis que os anos passam, mas o relógio não anda.
As rugas surgem ao lado da morte e os pés permanecem intactos e fincados no mesmo lugar.
O sol continua seu ciclo apocalíptico, a chuva rega as flores nos campos, as violetas nos jardins. A neblina embaça os vitrais e as crianças brincam de desenhos usando o bafo quente de seu hálito e a ponta dos dedos pedindo seus desejos mais singelos aos deuses. Enquanto eu, mantenho a cruz em meu peito servindo somente de enfeite burlando um religioso que eu poderia ser e nunca fui.
Todavia, minhas mãos trêmulas só resistem ao prego para levar o cigarro até a boca. É seu único hábito, seu único prazer. Não existe mais o entrelace dos dedos, o atrito dos nós.

Como um filme em preto e branco, um drama de quinta categoria, as personagens surgem e somem sem qualquer explicação, sem enredo digno de atenção. Nem para ser chamado de trash ou clean, ou clássico servem. Não se inventa um gênero para isso, não merece os festivais, pois, a mente falha adapta o presente e o futuro conforme os lapsos de memória do passado. As personagens, os roteiros, os cenários? Nunca serão relíquias de colecionador, foram esquecidas.
Do elenco, o ator principal foi o mais mal pago, o menos reconhecido.
Não houve imprensa, nem entrevistas e os créditos no final da película só continham seu nome como punição. Nunca por glamour.

O diretor é desconhecido, o roteiro tão velho quanto andar para frente e o figurino, bom, era melhor quando não existia. Porém, como todo filme ruim com orçamento irrisório, sempre existe grande possibilidade de uma sequência. Com outros personagens e cenários mais divertidos, ou não.


Bento.

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

W.O


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Hão de reclamar, assim como reclamam da forma como ando, como falo, como respiro. Falam até do ar da graça que me habita.

Eis que se me perguntarem; quem é o melhor humorista para você? Respondo fácil; eu. Cínico! Vão dizer.

Não. É isso mesmo. Eu. Humoristas do Brasil existem vários muito bons, porém quem me diverte mais sou eu.

Ora, todo o sarcasmo e ironia me diverte mais que qualquer coisa. Trato-me pior que qualquer outra pessoa e me divirto com isso.
Toda compaixão, autopiedade e cegueira que existem nos outros não se aplica a mim. Me trato como um desconhecido sem coração.

Um sarro diário da minha própria cara. É uma autossuficiência do humor. Brigo já sorrindo.

Egoísta. Vão dizer. É isso. Egoísmo do riso. Conto a piada e sou o primeiro que ri. Afinal, eu sou o alvo da piada, sempre. Nada mais justo.

É uma masturbação do humor. Dedico-me a me dar de presente o primeiro riso do dia, depois disso tudo é lucro.

Mas por quê? Por quê? Por quê? Simplesmente porque egoísmo seria depender dos outros até para rir. Se preciso agradar alguém, logo, que este seja eu.

Isto está errado! Vão sentenciar. Pois não serei eu que vou argumentar nem discutir por isso. Não eu. Se disser que está certo estarei dando um mínimo de razão para meu interlocutor, pois num debate sempre há acertos para os dois lados. Ninguém erra totalmente e vice-versa. Neste caso, por minha parte, nada é discutível.

Logo você que debate sobre tudo? Tentarão fomentar. Isto é outra verdade. Digo isso, pois, só é possível treinar argumentos argumentando. Como um jogador que só treina bola jogando.
No ímpeto de conhecer seu desafiante, eis de contrariá-lo, caso contrário, os dois concordam e vão para casa, mudos. Eu procuro o convencimento a todo custo. Abro as portas para me dar uma boa razão de mudar de ideia e apoiar sua causa, só precisa me convencer. Ganhar por W.O não me agrada em nada.



Bento.

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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

ESSA NORMALIDADE QUE ME MATA


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Certa vez eu disse que só me relacionei com santas. Todas inocentes, pessoas perfeitas e puras. Nenhuma dessas mulheres que passaram na minha vida tem nada, mas nada mesmo, para lamentar-se ou se arrepender. Pois bem.

Hoje dormi bem, o que é muito raro. Geralmente pego no sono momentos antes de ter de me levantar para mais um dia árduo de trabalho. Não hoje. Hoje dormi como um defunto. Duvido que não gelei como morto e parei de respirar. Foram mais de doze horas de sono profundo sem despertar nem para atender os desejos da bexiga. Tanto dormi que acordei naturalmente meia hora antes do despertador. Não, não pense que deixarei de chegar atrasado ao trabalho por causa disso, pois existe uma ordem natural para as coisas, um ciclo original, uma força maior para tudo. Assim como a noite dá lugar ao dia, assim como os pulmões exigem ar, assim como os amantes necessitam discutir para voltarem mais fortes, eu tenho de chegar atrasado em tudo. É assim.

Só sei que dormi como um gato e acordei disposto. Muito disposto para o meu gosto. Acordei e no caminho para o trabalho minha mente trabalhava com energia total bolando planos mirabolantes para o decorrer do meu dia. A barriga vazia exalava uma ansiedade e eu sentia-me feliz. Uma felicidade sem motivo, sem compreensão. Me peguei pensando: De onde vem essa felicidade toda? É esse o segredo? É só dormir e pronto?

Uma mente descansada normalmente é uma boa coisa. Só que nada que venha a ser normal se aplica muito bem quando se trata da minha vida. Digo isso porque tudo é uma questão de costume.
Não é tão simples assim, é preciso um tempo de adaptação e, normalidade e tempo são duas coisas que não fazem parte do meu cotidiano, logo, fiquei sem saber como agir. Então uma mente sã e descansada tende a agir com essa tal normalidade para pessoas normais. Já a minha mente, normalmente anda a mil, pensa em coisas que eu não quero pensar. Acelera como um maldito motor possante numa estrada reta e vazia. Já cansada é preciso freiá-la com noites mal dormidas, ressaca e desligamento do mundo. Quando descansada então... Quase entra em pane.

O dia foi passando e me vi desejando bom dia a todos. Fazendo favores para malditos filhos da puta que eu sequer gostava. Me vi tratando todas as pessoas bem, sem exceção. Sem fazer diferença de ninguém.  Entenda, estava eu cometendo uma puta injustiça sem tamanho e, se tem uma coisa de que não gosto, é exatamente essa tal injustiça. Nem todas as pessoas merecem o seu melhor. Se for assim, você coloca tudo no mesmo saco, os monte de estrume com bacanas e se mata. Corte os pulsos, dê um tiro na cabeça, sei lá. Não comigo amigo. Não trabalho desse jeito. Tomei uma atitude até então, drástica.

Meti o pé na porta do bar, acordei o dono daquele moquifo e ordenei: quero essa garrafa de conhaque, agora!

O cidadão ainda com seu pijama meteu a cara na janela: - Mas ainda são nove da manhã, me deixe dormir.

 - E daí? No Japão já são nove da noite e passou da hora de beber - Eu retruquei e passei a próxima hora tomando doses cavalares de destilado amargo, como a vida deve ser.


Bento.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

MALDITA SEJA A ESPERANÇA


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A pior coisa que existe chama-se; esperança.
Eu não me importo de estar no fundo do poço. Não me importo com os olhares de desaprovação como quem diz; tinha uma vida toda pela frente...
Não me importo.
Fazemos só aquilo que queremos fazer.
Somos quem podemos ser como já dizia um certo engenheiro famoso.
Estou cagando para o que acham ou deixam de achar sobre qualquer coisa que eu venha fazer ou escrever.

Se minhas linhas causam-lhe perturbação ou fervor.
Se às vezes pareço um suicida ou um beberrão desiludido e sujo.

O que me dói, o que me faz ter as tripas retorcidas como uma cólica pré-menstrual. O que me faz verdadeiramente querer quebrar a garrafa de destilado ainda cheia, desperdiçando assim o néctar dos deuses e enfiar os cacos em minhas artérias, é a esperança.

Nunca pedi por afagos. Nunca supliquei por compreensão. Cada um com seus problemas, eu não o ajudo com os seus e você não se mete nos meus. Vamos combinar que somos todos egoístas em busca de algo melhor para nós e pronto.

Não me façam de vítima que eu não me faço de herói. Se não posso ter a felicidade plena, também não quero esmolas.
Não sou eu quem vai pedir nada em troca. Deixei de pedir qualquer coisa há muito tempo e sinto que nada mudou. Sou eu, um Bon vivant admirador de fotos e sorrisos congelados e estava muito bem assim, obrigado.

Era sempre como um olhar desapercebido da calúnia que estava cometendo comigo mesmo.  
Sei que não é nada romântico. Mas imagine alguém apertando minhas bolas com toda força. Se acha que é pouco, use uma prensa. Imagine os olhos saltando das órbitas de tanta dor e a boca seca querendo engolir a própria língua. Tente imaginar seus ossos sendo quebrados em infinitas partes enquanto você ainda se mantém acordado mesmo com a dor. Tente pensar como é ter suas unhas retiradas por alicates à sangue frio com você suplicando misericórdia ao léu, sem ninguém para ouvi-la. Imaginou? É assim que me sinto quando olho uma fotografia sua. Porém repito, estava muito bem, obrigado.


Até alguém me dar uma porra de esperança de que um dia...
Um dia...

Isso tudo que me mata. O fundo do poço não é um lugar tão ruim assim. Pelo menos te isola das notícias boas. Àquelas notícias boas sem você.

Eu sou como um ex-viciado. Serei dependente até a morte. E um viciado em heroína, quando frente à frente com uma seringa se corrompe de imediato.
No meu caso, a heroína é você. A seringa são as pessoas dizendo que você pode tomar rumo e voltar a criar raízes, pois seu homem já não lhe serve mais, assim como eu também não lhe servi um dia.

Calma, calma. Essa esperança está dentro de mim, você não tem culpa nenhuma. Mas sou um viciado, lembra-se?

Qualquer menção ao seu nome me faz babar como um retardado. Qualquer proximidade do seu corpo me faz tremer. Voltamos à dependência de ocasião e minha clínica de recuperação é o exílio, como sempre.

Até quem sabe, um dia.


Bento.

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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

TCHAU PARA QUEM FICA. ESCREVER, ESCREVER, ESCREVER

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Está todo mundo indo para casa, parece. Tudo é cheio. Hora do rush tudo é cheio.
Quando você está prestes a deixar um lugar durante muito tempo parece que todos te reparam. E você repara em todo mundo.

Cheguei na sala de aula e não havia ninguém. Peguei um café e comecei a ler meu livro. Estava quase no fim, era um livro fino. Pena. O livro era bom.
No meio da leitura começou me dar um desassossego. Não! Não era essa a palavra. Era desespero mesmo. Tanto que me perguntei: "O que exatamente eu to fazendo aqui?”.

Já tinha sentido isso antes e fui ver a mostra do Raul numa estação de metrô.
Voltei no dia seguinte. Só que desta vez era diferente, não sei bem. Queria sair dali, era só isso que eu queria.
Eu comecei a pensar no quanto de dinheiro estava gastando com aquilo e percebi que não tinha a quantia. Um dinheiro que eu não tinha. Era isso! A conta não fechava.

Olhei em volta e os outros alunos começaram a chegar e me cumprimentar. "boa noite, boa noite", é segunda-feira, o que tem de bom? Quero meu quarto, meus textos e um trago.
Escrever é o que eu queria, porra!
Mas escrever não me dava dinheiro e aquela sala roubava meu dinheiro. Ou tomava seja a palavra certa, tanto faz.

Escrever não paga nem o cigarro, por isso tenho de trabalhar. Estudar não estava melhorando minha escrita, pelo contrário.
Estudar consumia meu dinheiro e atrapalhava a escrita. Aí pensei: "vou sair daqui" e parece que as pessoas reparam mais em você quando se está partindo.

Isso é uma merda. Dei uma última olhada nos outros alunos e parti. Ao descer as escadas encontrei todo o resto dos alunos perguntando onde eu ia. "Aonde vai? Aonde vai?" Foda-se onde vou. Não disse, mas poderia.

Mas eu sou dramático. Foi uma saída à francesa, como se fosse um adeus final. Não era nada disso, volto, ainda volto. Quando não sei, nem sei se volto, posso morrer amanhã. Pretendo voltar. Preciso me despedir do bar também, mas não hoje, um dia venho só para isso. Enquanto isso, vou. Preciso desafogar.

As contas precisam fechar, caso contrário, não estudo, não escrevo, só penso em contas. Simples assim.
Mas escrever é o que me dá mais prazer. Não preciso de mais nada, escrevo e pronto. Uns tragos, cigarros e algo para matar a fome e é só. Estudo só para poder viver da escrita, quem vai querer ler um cara que só escreve? Só um cara? Quem é esse cara? Não, tem que ter mais alguma coisa.

Sempre vi nesse tempo todo no bar uns mauricinhos que têm seus estudos pagos pelos pais passando o ano todo sentado na mesa do boteco reclamando da vida e do atraso nas matérias. Claro, ficam sempre no bar. Veja, não sou santo, também matei meia dúzia de aulas pelo bar. E daí? Não vou reclamar. Se não posso, não faço. Desistir de lutar é uma coisa. Insistir em tomar soco de um valentão com o triplo de seu tamanho e peso é burrice. A vida ensina, não tem atalho. Não para um tipo como eu.

Curioso é que escrever tem sido melhor até que transar. Prefiro.
Se dissesse isso há dez anos daria risada na minha própria cara e diria: "tá louco!" Sim! Quem não está louco está morto, acha que está vivo, mas está morto. Mortinho da Silva.

Reflito para ver se é isso mesmo e não tenho dúvidas, prefiro mesmo.
Escrever me faz bem, toma tempo, só que bem pouco. Não me custa nada e não tenho de ouvir reclamações do teclado me perguntando se vou ligar no dia seguinte. Ligo, eu sempre ligo, nem que seja para dizer: "vamos ser amigos, ok?"

Prefiro transar com as palavras porque tem sido mais prazeroso. Sou meio de fase, minha fase hoje é aquela de exclusão, não sei o que é. Com raríssimas exceções eu preferia me excluir.

Quando se passa muito tempo sozinho como eu você aprende a dar valor a quem te faz companhia e não cede seu tempo para qualquer pessoa. Você se acostuma e fica exigente ao mesmo tempo. Traduzindo: UM CHATO! Mas é isso que eu sou, um velho chato. Mas é isso que eu sou. Paciência.

Então repenso e não tenho dúvidas, escrever tem sido melhor que transar.
Faço isso só, a hora que eu quiser e quando não quero ligo a TV para matar o tempo. Tomo uns tragos, fumo, mato o tempo. É isso que eu faço e não ganho um puto para isso. Fazer o quê? Vivo disso, salvo a alma pelo menos. Salvo a alma enquanto ainda vivo, depois de morto que se foda.


Bento.

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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

NÃO É ÓDIO, É PRAZER


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Existe a incompatibilidade de gênios que deriva das situações mais estranhas possíveis. Pode ser qualquer um, vizinho, colega de trabalho ou faculdade, ou parente. Tanta incompatibilidade que se por um acaso, alguém que se enquadra nisso estiver passeando na rua, assim como quem não quer nada, feliz da vida de assoviar, passeando e de repente um caminhão enorme o acerta em cheio, no meio da rua enquanto atravessava e o caminhão esmaga-o espalhando órgãos por toda a via como se fosse um festival da carne. Tripas, rins, fígado, intestinos, todos pendurados nos fios elétricos, colados nas vitrines das lojas e menus dos restaurantes. Tudo como se fosse uma feijoada crua self-service. Acredito que se houvesse uma incompatibilidade de gênio você nem ficaria tão triste, duvido que gerasse mais que um comentário no seu dia "você não sabe quem morreu...", não mudaria em nada sua vida.

 É assim que eu me sinto com a grande maioria das pessoas que estão a minha volta. Não vou aqui premeditar qualquer desculpa ou autodefesa, pois sei que essas pessoas estão cagando para isso, apesar de um número mínimo de dois ou três idiotas que ficarão melindrados com a sinceridade.

Também não vou me eximir de culpa, afinal, isso se deve a um pequeno trauma de personalidade causado exatamente por outras pessoas que deveriam ser atingidas por raios, tendo assim seus corpos incinerados instantaneamente, fazendo um grande churrasco a céu aberto, os dedos colados pela pele derretida devido ao calor e seus olhos arremessados em cima dos passantes ocupados demais para notar retinas voadoras vindo em sua direção.

Você não será uma pessoa má por ter pensamentos assim, muito menos atrair coisas ruins para você. O que vai te fazer um mal danado é tentar enganar-se e insistir numa simpatia que não agrada nem você, nem o odioso.
Guardar os sentimentos é o que faz surgir os psicopatas. Pensar em fazer não é pecado. Errado é fingir que deseja o bem para pessoas que só querem massagear seu reto da maneira mais sacana possível.

Sei que parece um tanto grosseiro, mas não me entenda mal, não é desejo, é uma constatação, pode acontecer com todo mundo. Se por acaso acontecer com alguém que eu não tenha tanta afetividade assim, seria interessante.

Também não vou dizer que isso trata-se de ódio explícito, é mais como tédio, uma monotonia tamanha que precisa de vez em quando de uma distração para tornar o dia-a-dia mais tragável.

Alguém aí tem um caminhão?


Bento.

domingo, 29 de julho de 2012

GAROTA DE OLHOS SEMICERRADOS


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Veja as novidades como mariposas de lâmpadas nas noites de calor. Vem de repente e assim como chega, parte, deixando suas asas na memória.

É claro que estou falando da garota de olhos semipuxados. Ou podem ser semicerrados, pela falta de óculos.

Tudo bem. Me peguei acusando-me de sanguessuga. Não pejorativamente, evidente que não. Não faço mal a ninguém, exceto a mim mesmo.
O que eu quero dizer é que utilizo de artifícios e esperanças conta-gotas para tornar as noites frias mais agradáveis. As manhãs menos sombrias. Confesso, confesso, confesso.

Mas eu sou só uma relação de má fé comigo mesmo. Não sou de me gabar, portanto prefiro respirar cautelosamente. Quase que pisando em ovos eu sigo remediando autopromoção.

Alguns nomes eu invento. Outros eu escondo para manter o rumo da história sem tanta intromissão. As histórias não são todas reais. Nem tem que ser.

Se apegar em todas as linhas, vírgulas e até nos erros gramaticais é tão indicado quanto viver a própria vida através dos olhos alheios. Eu mesmo quero mudar uma palavra ou outra quando releio um texto meu.

É o sentimento que vale a leitura. É a sensação e pelos do braço arrepiados que faz com que eu termine um texto e queira mais. Nem a interferência do cotidiano me faz parar alguns momentos no intuito de pregar cada letra exemplificando minha intenção. Só a falta de tempo faz isso. Logo, levo mais de um ou dois dias para terminar um texto e, sempre volto de onde parei. Voltam também a sensação, o hálito, os arrepios. Com a garota de olhos semicerrados não é diferente.

Antes era o cigarro e o café quem me serviam de despertador. Hoje são os cigarros, café e o sorriso leve de pensar como será ao encontra-la.
São só coisas que vou me apegando diariamente. É corriqueiro sim, mas é meu.

E de pensar que você pode, dependendo de seu humor, ao descontá-lo em mim, deixar de provar do cheiro de meu travesseiro. Talvez perder minha cara de sono e toda amassada de manhã.
Pode ser que deixará de me ver pular os degraus da escada por culpa de minha impaciência.
Descobri que como sempre o arroz e deixo a carne por último.
Pode perder a minha mania de lavar as mãos e meu hábito de dormir sempre do mesmo lado.
Pode não notar que assovio quando estou nervoso. Talvez perca a chance de saber que só tomo banho ouvindo música e que sempre amasso a lata de cerveja antes de beber. A minha mania de espelho que não passa de uma vaidade disfarçada. Minha mania de coçar as unhas e ranger os dentes. Não ouvirá eu praguejar mesmo quando estou feliz e me divertir com isso. Talvez não saberá que sou péssimo com o martelo e que as vezes gosto de ficar descalço para falar com meus pés.

Pode ser. Pode ser que abrirá mão de tudo isso e, o que não sai da minha cabeça, o que não me deixa dar as costas mesmo depois de cada palavra atravessada, é que mesmo sabendo que ao deixar tudo isso, quem sairá perdendo serei eu.


Bento.

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O DOMINGO É A SEGUNDA-FEIRA DOS SOLTEIROS

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O domingo é a segunda-feira dos solteiros. Conheço um cara que só namora aos domingos. Durante a semana é o pior namorado que eu já vi. Veja, sou um cara demasiadamente indiferente, me indigno com pouquíssimas coisas, mas esse cara. Bem, esse cara é tão péssimo namorado que eu fico indignado. Menos aos domingos.

O próprio Romeu pediria conselhos para esse cara se o visse quão bom namorado, quanto carinhoso e companheiro é aos domingos. Tanto que seu namoro se mantém até hoje pelo homem que é a partir da zero hora deste dia. Tudo isso, é claro, pelo medo da solidão dominical. Só para que não tenha que lidar com as manhãs de sol, as tardes frias e as noites depressivas.
Quem já assistiu as VídeoCassetadas ao lado de um amor sabe do que eu estou falando. Pois quando sozinho, àquilo não tem a menor graça. Pelo contrário. Já espetou uma agulha debaixo da unha? É tão sem graça quanto. Fora a dor.

Quem deu início a solidão de domingo foi Deus. Depois de criar o mundo deixou anjos, arcanjos e até o demônio, para se empanturrar de brigadeiro na panela e assistir Friends.

Quem acha que inventou o churrasco de domingo? Os solteiros, lógico. Nada como um monte de bêbados falando groselha para ludibriar as tardes solitárias.
Eu já fui o rei do churrasco, mas isso faz muito tempo. No entanto, não me engano mais, pois, você pode sobreviver a um domingo, a todos eles não.

Domingo é o dia dos programas de auditório porque nem os apresentadores querem ficar sozinhos neste dia. O público? Nenhuma mulher deixa seu marido em casa e vai numa caravana assistir a programas de auditório e vice-versa. Bem, não num casamento sadio.
Por isso só vemos solteiras, velhas e brochas no auditório. Esquece àquelas belas garotas de pernas grossas e sorrisos largos na primeira fileira. Essas são modelos contratadas para embelezar o lugar. Isso é o glamour da TV.

Só gosta de trabalhar aos domingos quem tem medo deles. Nada como enfiar a cabeça no trabalho para esquecer a singularidade do primeiro dia da semana.

Ninguém se divorcia aos domingos. Ninguém termina o namoro aos domingos. As pessoas até brigam aos domingos, mas só fazem as malas nas segundas.

Se sexta-feira é o dia do solteiro, domingo é o dia dos casais. Todos sabem disso. Todas as pessoas que sofrem de abstinência de conchinhas, filmes, e meias coloridas e edredons pedem aos céus com todas as forças que assim que o relógio marcar 23:59 dos sábados ele pule automaticamente para 00:01 de segunda-feira e assim, manter o pouco de equilíbrio que ainda resta aos medrosos.


Bento.

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sexta-feira, 27 de julho de 2012

BEATAS DE CAUSAS PERDIDAS

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Sempre disse que a mulher é o ser de mais fé que existe no mundo. Beata de causas perdidas.
Nada é por acaso, as palavras "esperança" e "fé" só estão no feminino por ser inspiradas na força de vontade da mulher.

Toda mulher acredita que pode consertar tudo e todos. O cafajeste só existe porque a mulher insiste que pode fazer com que ele tome jeito. Mesmo com o fracasso de tantas que vieram antes, elas sempre acham que podem.

Ao criar um filho também não é muito diferente. O pai desiste depois de algumas tentativas frustradas, "esse não tem jeito mesmo". Já a mãe nunca abandona a cria. Santa esperança.

A certeza que eu tenho de que Deus não pode ser uma mulher se deve ao fato de que até Ele desiste em algum momento. Se não buscar Sua ajuda não terá nada. Já o diabo só pode ser uma mulher, afinal, por mais bom moço que seja, o diabo sempre espera que você desvie do caminho. Ele espera, não importa quanto tempo demore, ele tem esperança e tem tempo para isso.

Só que a mulher não tem todo tempo do mundo, logo, perde anos preciosos de sua vida acreditando em relações de uma mão só. Relações onde somente ela se arrisca, somente ela se doa, somente ela deseja.

Alguns homens tem fé como as mulheres, porém são raros.
A paciência de esperar da mulher é compreensível, afinal, até para dar a luz ela espera vários meses. Espera a primeira menstruação. Espera o príncipe encantado e o baile de quinze anos. Sempre esperando sem perder a esperança.

O que a mulher não sabe é que não se pode entrar numa guerra onde o inimigo não a deseja nem como amigo, nem como adversário. É entrar numa luta já como derrotado. Ninguém se arrisca por algo que não vislumbra, ninguém briga por algo que não almeja. O que tiver que ser seu, será. Afinal, é o Destino que dá as cartas desse maldito jogo mesmo. Nós não passamos de pessoas que portam as fichas. E blefar nesse jogo só nos faz perder mais e mais, por isso, só aposte na mão que está à seu favor.

Não se pode implantar amor onde não se pode implantar amor. Simples como os defeitos, não? Você pode plantar amor num solo fértil, aí sim, as chances de vitória aumentam consideravelmente. No entanto, se você já pratica a jardinagem de sentimentos durante meses e o solo não corresponde, não é agora, em período de seca de atenção e companhia que vai germinar o tal do amor que tanto deseja. Velhos ditado não são velhos por acaso e poucos são tão válidos quanto "quando um não quer dois não brigam".

Lutar por amor sozinho é como ser atirado num campo de batalha desarmado. Desculpem-me se insisto no comparativo de amor e guerra. Mas é isso que o amor é. Uma guerra entre a solidão e a felicidade. O bem contra o mal, onde só podem haver dois vencedores, ou nenhum.

Só que já adianto. Tudo isso é só suposição, pois quem é que entende essas coisas de amor? Ninguém, ninguém...


Bento.

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domingo, 22 de julho de 2012

PERCO-ME NO RÍMEL

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Poucas coisas no mundo são mais sensuais que ver uma mulher se maquiando.
Quem mora em São Paulo está acostumado. Por causa da correria diária, a cidade das multidões, é comum deparar-se com alguma garota maquiando-se nos coletivos, nos metrôs e etc.
Não importa muito se a mulher é linda ou se é um furúnculo em forma de gente. Claro que quanto mais bela melhor, porém, é a ação que encanta.

Falo da concentração, da técnica, de cada movimento cirurgicamente calculado.
Primeiro a sombra nos olhos marcantes, é a preliminar do encanto.
O lápis em torno dos olhos e já temos o feitiço pronto.

É como se eu estivesse olhando pelo buraco da fechadura. Estou ali, mas não estou ali. Elas não ligam, quem é você? Onde está? Como se chama? Não importa!
É a intimidade quem comanda cada movimento e, quem melhor que as mulheres para reger aqueles bastões, pincéis, e pós? Como um maestro numa orquestra, nos tira da lotação e aperto dos coletivos e nos levam ao céu de primavera infinita. O que é trânsito mesmo?

O rímel me faz lembrar que os olhos jamais podem ser lavados por lágrimas, não os dela. Chorar e estragar todo aquele trabalho artístico-artesanal? Não! Nenhum de nós somos dignos disso, seria como tacar fogo num Picasso, num Da Vinci.

Dou uma pausa na sequência dessa apologia à beleza. Dessa manifestação afrodisíaca para pensar. É assim, me perco no ato do embasamento feminino. Sou um tolo - talvez digam os machistas - provável que seja mesmo um tolo, mas poucas coisas me fazem esquecer das contas a pagar, dos problemas de relacionamento, pessoais, profissionais e, vê-las ornando narizes, testas, queixos. Somos nós, homens, todos escravos da manifestação íntima que nos intima a parar e idolatra-las por nos conceder tal visão que Deus, provavelmente, criou em seus melhores dias.

Faço então essa pausa, quando já estou completamente perdido em libido, em feitiço e sabor, para lembrar de uma antiga namorada. Era ela linda como poucas que eu já vi, porém não usava um batom sequer. Não precisava, fato. Mas um dia, não me lembro agora de quem foi a ideia. Se minha ou se dela. Na verdade, acho que foi minha. Mas bastou um lápis nos olhos e eu sabia que iria amá-la para sempre. Eu já sabia disso, porém foi ali que eu tive certeza. Amaria para todo sempre aqueles olhos com lápis e tudo que vinha com eles.

Bem, claro que, o meu "para sempre" durou mais que o "para sempre” dela e hoje ela desistiu do lápis nos olhos. Sobrou a ela as madeixas endurecidas por parafina. Para mim? Sobrou, bem...



Bento.

terça-feira, 17 de julho de 2012

ERRO GROTESCO


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Eu não passei de um erro. Sei disso! Um erro grotesco.
Tanto tempo perdido. Anos jogados no lixo.
Tantas privações, coisas que deixou de fazer, tanto por falar e eu não permiti.  O errado.
Tão errado, que da minha boca, os "te amo" que saíam dela provavelmente tinham som de "tã dã" como quando cometemos uma ação proibida no Windows. É isso que eu fui, uma ação proibida. Seus amigos deveriam ter te avisado, afinal, amigos servem para isso.

Sua família deveria ter lhe alertado, pois família serve para proteger-nos. Mas talvez eles também não notaram o tamanho da estupidez que estava cometendo.

Sinto em dizer, mas enfiou os dois pés na jaca no momento em que se aproximou de mim, eu era um erro e, ao estar do meu lado tornou-se você também, um ato falho.

Eu, por minha vez, continuei errando e meu sobrenome poderia muito bem ser "Engano". O nome tatuado em meu peito seria então, "Equívoco", tão grande que seria suficiente para tatuar o peito, as costas, pernas e braços.

Tudo o que você aprendeu com nossa convivência é tão errôneo que deve ser imediatamente embalado por um saco plástico preto de lixo, peça para seu homem que o coloque para fora quando o caminhão de lixo passar.

Todo meu cuidado para com você foi tão impróprio que não vale ser lembrado. Muito menos os planos que tínhamos em comum, esses foram doados para campanhas do agasalho e orfanatos onde os jovens bastardos precisam sonhar muito mais que nós dois. Erros não se realizam, erros são cometidos e você cometeu um enorme. EU SOU o próprio erro.

Já os carinhos, cafunés, canções que te dei eram errados em qualquer lei, qualquer sociedade. Algumas religiões me chamariam de pecado. Não de pecador, pois esse tem salvação após o arrependimento. O pecado está fadado a ser a má escolha. Eis o que sou, O PECADO. Você se arrependeu, bom para você, alcançou a salvação. Converteu-se ao caminho contrário ao meu. O caminho da luz. Agora és tão pura quanto antes de me cometer.

Você tentou, foi atrás e conseguiu. Depois de se dar conta do erro que era eu lutou por uma segunda chance e conseguiu. Não pode voltar e recuperar o tempo que perdeu comigo, porém, acorda todos os dias com a promessa de que será bem melhor daqui para frente.

Bem, já eu, não tive e nem tenho isso em mim. Erros como eu não se regeneram, no máximo se camuflam. Fingem ser certeza, por um tempo ou dois. Logo, eu acordo todos os dias me repetindo.


Bento. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

PORRES, PORRES E MAIS... BEM, VOCÊS ENTENDERAM

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Quando você acorda com o crepúsculo depois de ter quase acabado com o estoque de destilados do bar, na verdade, você não acorda. Seu corpo permanece no transe clínico da maledicência. É uma máquina que antes da sua noite autodestrutiva, perfeição de engenharia fomentada pelo Criador, hoje, com a maior ressaca do mundo, não passa de uma lata velha com motor a lenha. Nada funciona direito.
A cabeça não funciona, o reflexo apresenta defeitos. Após passar alguns minutos na privada você percebe que o intestino, rins e grande parte dos órgãos também estão temporariamente fora do ar. Então, sai do banheiro ciente de que a morte está próxima, o cheiro já é de defunto putrefato. Não se engane, somos todos um amontoado de carne que está em constante processo de putrefação.

Eu ainda estou na noite anterior e, o que é pior, a noite passada ainda está em mim. Só o que eu fiz foi dar uma pausa, uma cochilada de uma ou duas horas. A cabeça lateja e me avisa; mais algumas noites como esta e os danos serão irreversíveis. Grande merda. Como se eu já não estivesse num caminho sem volta.

Quando se está num caminho sem volta, o que te resta é continuar seguindo em frente. Há mais inconsciência que verdade nisso tudo. Seguimos andando, então.

Bem, após o banho já estava atrasado e o café me dava ânsia de vômito, mesmo assim continuei bebendo. Curioso é que minhas ânsias nunca se concluem. Acho que meu corpo gosta tanto de álcool que não quer desperdiçar nem uma gota. É o pecado do desperdício. Como um fígado ciente de seu compromisso de sustentabilidade. Talvez não faça sentido, mas essa palavra está tão na moda que quis usá-la para alguma coisa.

Já estou atrasado para o trabalho e ao apertar o tubo da pasta de dente errei três vezes a escova. Esses reflexos...
Minhas mãos tremem há anos. O porquê eu só suspeito, mas não vem ao caso.
Enfim, acertei as cerdas com a pasta na tentativa inútil de tirar o gosto de whisky amanhecido da boca. Nunca soube com o que se parece tal gosto, meia velha e suja talvez.

Olho-me no espelho e o álcool só mantém jovem as cobras e fetos no pote, pois eu estou mais velho do que nunca.
Olhei no espelho e não vi meu reflexo. Calma, não estou dizendo que virei nenhum vampiro, apesar da palidez e do gosto de sangue na boca por ter rasgado a gengiva com a escova de dentes, eu adoro alho. O que eu quero dizer é que o cara que eu vi ali, me olhando, nem de longe se parecia comigo.

Não sei quanto tempo se passou, mas ficamos um bom tempo nos encarando. Só fui desviar o olhar quando senti meus dedos sendo queimados pelo aviso do fim do cigarro. Joguei a bituca na privada e continuei a encarar aquele cara estranho. Lembrava vagamente o meu rosto, mas não era eu. Foquei em seus olhos e tentei achar-me naquelas esferas castanhas e lembrei que meus olhos costumavam ter um brilho que me orgulhava. Não poderia ser eu, pensei. "Como esse cara entrou aqui"?

Continuava encarando aqueles olhos e reconhecia que eram meus pelo farelo. Claro! Só poderiam ser meus, eu é que não encarava-os há uns dois ou três anos. Malditos olhos.

Eis que depois de toda essa viagem de espelhos e olhos que provavelmente se deve ao excesso de álcool em meu corpo e a falha de alguma parte do cérebro essencial para manter a sanidade, passei a buscar algum motivo forte para eu não deixar o trabalho pra lá e voltar a me deitar na cama e colocar o sono em dia. Trabalho esse um tanto quanto difícil quando se trata de um sujeito entediado como eu.

Pensei nas contas a pagar. No salário que viabiliza meus porres homéricos. Pensei até na garota de olhos cerrados que me faz sorrir inconscientemente. Bastou a imagem de sua franja caindo aos olhos e o cara no espelho me olhou sorrindo. Um sorriso tímido é bem verdade.
A legging e esmeraldas já não são suficientes para me fazer sorrir, muito menos para fazer-me levantar da cama.
Eu sempre tenho os piores pensamentos de manhã. É sempre como o apocalipse, o fim dos tempos. Tudo é um grande balde de merda e eu estou com a cabeça afundada nela. Não importa se de ressaca ou não, de manhã é sempre bosta por todos os lados. Pelo menos durante a meia hora que eu demoro para despertar com minha caneca de café e meus dois cigarros, antes do banho.

Hoje, ontem e, amanhã, acredito eu, serão os olhos levemente cerrados que me farão colocar o primeiro pé no chão e dizer uns três ou quatro palavrões à menos antes de me levantar.

Por hora, é só o que eu posso prometer. Porém, quem sabe, eu não dure tudo isso.


Bento.

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sexta-feira, 13 de julho de 2012

GIULIARD BORSANDI VI

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Indica-se ler os episódios anteriores: GIULIARD BORSANDI V


Decidi então tomar uma no bar para relaxar, ver gente, não que eu goste de multidões ou de muita gente falando na minha orelha, mas às vezes até um solitário como eu precisa de atenção.

Resolvi parar num bar ali pelo centro mesmo, perto do escritório, para o caso de o álcool me tirar o controle e eu poder ir embora andando sem nenhum acidente.
Não por mim, estou cagando por mim, faço isso pelas pessoas, pois apesar de não ser nenhum humanitário e não me importar por quem vive ou quem morre, não quero ter o peso de tirar uma vida nas minhas costas. Já tenho peso demais, mágoas demais.

Digo que estou cagando por mim porque no caso de um acidente vai ser um alívio. Ora seu maldito! Estou falando de suicídio mesmo, quem nunca pensou nisso? Foda-se!
O Ricardinho talvez, que nunca precisou fazer esforço para nada, teve tudo de mão beijada, tudo que tem foi o dinheiro do pai que comprou, como o cargo de jornalista investigativo que era para ser meu.

Ótimo! Tudo que eu precisava era me lembrar daquele comedor de puta, viadinho. É melhor mesmo eu ir para o bar.
Chego então por volta das 22h00min, a fila para entrar no bar vai da porta de entrada até a próxima esquina. Minha vida já é um tanto tediosa demais para que eu perca meu tempo em filas, logo, vou cumprimentar Guião, o segurança da casa. Ele é amigo do Cabelo e eu o conheci andando pelo prédio de Dom Pedro onde tenho o escritório.
Sim, eu só fui cumprimenta-lo com a intenção de furar a fila, caso contrário eu nem me moveria. Quem é você para me julgar?

 - Como tá Guião?

Não me perguntem o porquê deste nome, pois não saberei responder. Eu só conto a história, quem escolhe os nomes é o autor.

 - Giu, meu chapa! Comé que anda essa força?

Guião me cumprimentou com um abraço que quase quebra minha coluna em pedaços. Toda pessoa grande demais acha que todos temos a mesma força que elas.
Guião é um negro de uns dois metros de altura, chutando baixo e, tantos quilos quanto uma balança pode contar. Puta cara grande, principalmente perto dos meus quase um metro e oitenta e setenta quilos. Um bom cara, apesar de ser assustador, é uma figura.
O grandalhão tem uma leve dificuldade de respirar, muito pela obesidade, afinal sustentar todo aquele corpo só com dois pulmões é um desafio dos grandes, ainda mais com a quantidade de fumo que ele consume. Consume e vende os fumos do Cabelo na porta do bar.

 - Você está me matando Guião!!!

Eu disse quase que sufocado.

 - Porra, foi mal... E então, vai entrar ou está procurando alguém?

 - Hoje eu to de folga, só vou encher a cara.

O segurança então tirou seu corpo gigante do meu caminho para que eu pudesse entrar.

 - Vai lá poeta, pega leve com as meninas.

Passei pelo corredor escuro, virei a esquerda e assim que abri a porta fui atingido por uma onda de fumaça de cigarros -- que era demais até para mim que fumava descontroladamente -- e música alta.

O bar era dividido em duas partes, a pista de dança onde as pessoas dançavam como retardados transpirando em bicas com aquela música eletrônica que faziam meus tímpanos explodirem e ao fundo da pista tinha um palco que era usado por bandas de Rock underground em algumas noites.
Do outro lado era o bar, meu lugar preferido naquele lugar e onde trabalhava Jamaica, a barwoman que fazia os melhores drinks da cidade.

Jamaica na verdade era gaúcha, loira de olhos azuis que pareciam fazer parte da decoração e iluminação do bar. Sardas que cobriam seu pequeno nariz empinado, lábios rosas e cabelos loiros (quase brancos) parafinados estilo dreadlocks até o meio das costas, que ela por vezes deixava-os soltos ou enrolados acima da cabeça que me lembrava um ninho de passarinho. Lá pelos seus 1,70m de altura, magra, com seios perfeitos e braços longos cobertos por tatuagens, todos os dois, e piercing no nariz e no buço.
Parecia um anjo, uma tentação do inferno. Não ficava devendo nada para nenhuma supermodelo dessas grifes famosas, mas ela queria ser barwoman.

Jamaica era tão linda que poderia facilmente fazer-me esquecer de Nelia. Chegamos a transar uma vez no apartamento dela que ficava em cima do bar, porém ela gostava tanto de mulher quanto eu. Logo, tive de me contentar com as lembranças da minha ex-noiva.

Ao lado do bar ainda havia alguns bastões de ferro que subiam do chão ao teto e que algumas strippers dançavam em troca de alguns reais entregue em suas bocas e elásticos das calcinhas pelos velhos gordos que sentavam no bar e tomavam whisky com Tônica.

Fui direto me sentar no bar, é claro. E lá estava Jamaica, sempre absurdamente linda:

 - Olá guri. Quem é vivo sempre aparece.

Ela sorria com aqueles dentes perfeitos meio amarelados devido aos cigarros e percebi que tinha um piercing novo na língua.

 - Boa noite magrela.

Era assim que eu a chamava. - Piercing novo?

 - Você viu? Estou me acostumando ainda... Minha nova namorada tem um e eu fiquei com vontade também.

Ao ouvir "nova namorada" senti um ciúme inevitável e uma inveja gigante da vadia que transava com Jamaica.

 - Fico imaginando onde vai parar essa sua mania de piercing.

 - Se é lá que você está pesando, eu coloquei a semana passada...

Jamaica falava e sorria com sua voz deliciosamente maliciosa e seu sorriso contagiante. Não conseguia me manter alheio a ela. Bastava olha-la e meu corpo tremia como um adolescente babão. Chegava a gaguejar e me embaralhar com as palavras.

 - Pena que eu estou namorando, senão te mostrava.

 - Não fica me provocando que eu te pego aqui no balcão mesmo sua pilantra.

 - Hum... Que delícia.

Era impossível não ficar feliz perto daquele anjo do inferno. Mesmo para um amargo como eu, era impossível.
Jamaica me olhava com seus olhos de piscina e apoiava seus dois braços no balcão, o que fazia seus seios redondos e lindos ficarem juntos e apontados para a minha cara. Só aquilo já me excitava.

 - Vai trabalhar magrela! Me trás uma dose, vai.

Jamaica me trouxe um whisky e uma caneca de cerveja. Misturei os dois e tomei dois goles bem servidos para matar a sede.

Eis que já estou na quarta caneca e começa chegar gente. A casa suporta umas trezentas pessoas talvez, nos dias mais cheios, mas não hoje.
Hoje irá se apresentar uma bandinha meia boca, ninguém conhece, só quem frequenta o bar mesmo. Eu prefiro assim, menos gente roçando em mim.
Conheço a tal banda, tem umas músicas mais ou menos, só o vocalista que me desagrada, bebe demais, grita demais, e dança como se fosse uma lagartixa com esquizofrenia em cima do palco.
De qualquer forma, dá para aguentar.

O bar já está cheio e Jamaica não para. De um lado para outro servindo os recém-chegados. Agora já estou na sexta caneta e consequentemente a sexta dose de whisky. Jack Daniels, abaixo disso é água suja. Quando me surpreendo com uma mulher ao meu lado, num vestido negro que, sentada, quase dava para ver suas nádegas.

- Oi. Posso me sentar aqui?

Ela tinha trinta e quatro anos. Um rosto de mulher que, sim, eu toparia levá-la até meu escritório para olhar debaixo daquele vestido, caso ela não fosse um trabalho.
Ela era Janaina Alves, vocês devem conhecê-la como "mulher do pastor".


Bento.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO MORRER?

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Sempre que me perguntavam o que eu gostaria de ser quando crescesse eu sempre tive um milhão de respostas diferentes para responder a isso. Já pensei em tanta coisa.

Hoje se me fizessem a mesma pergunta eu diria que não gostaria de crescer, mas agora é tarde. De qualquer forma, continuo não simpatizando com a tal pergunta.

O correto seria; O que você quer ser quando MORRER?

Para essa pergunta eu respondo sem pestanejar. Quero ser eterno.

Independente de como vou viver, foi sempre a eternidade que fez meus olhos de criança brilharem como ao ver um brinquedo novo.

“Minha” eternidade não tem nada a ver com religião, paraíso, ou viver em graça ao lado de Deus e toda essa ladainha dos desesperados que buscam um objetivo para a vida e também para a morte. Apesar do nosso egocentrismo de querer ser a menina dos olhos do universo, somos como tudo que habita nele. Nascemos, vivemos (ou sobrevivemos - que é bem diferente de viver) e morremos. E é só isso.

Eu, definitivamente, não quero viver uma vida de privações esperando ser feliz nos jardins do Éden, quero aproveitar tudo o que há de bom aqui, em vida. Sentir na pele todos os prazeres da carne.

 Aliás, meu relacionamento com Deus é um tanto quanto peculiar, com tantas reclamações que tenho para lhe fazer é bem provável que se morresse hoje seria enviado diretamente ao inferno. Estaria sentado numa mesa de bar junto com alguns políticos do PT, pastores evangélicos, tomando algo gelado e alcoólico para resistir ao calor e uniríamos forças para falar mal Dele. Mas isso é outra história para um outro texto, voltando a falar da eternidade...

Também não estou falando daquela famosa eternidade idealizada por vilões dos filmes. Longe de mim querer perambular pela terra por centenas de anos como um vampiro ou coisa do gênero. Ficaria extremamente insatisfeito se passasse mais tempo neste mundo do que me foi destinado. Nem um segundo a mais, nem menos.

Estou falando de ser lembrado, de deixar uma herança ao mundo. Algo que poderá ser usado depois que eu me for, algo além de meus órgãos.

Talvez por isso me identifique com a escrita, nada resiste mais ao tempo que a comunicação por extenso.

Não precisa ser nada tão grandioso quanto Shakespeare, mas também não alcançaria meu objetivo com a inutilidade de um ex-big brother. Deve ser algo que esteja inevitavelmente ligado ao meu nome, que fosse repassado as outras gerações através dos livros de histórias ou jornais.

Já deixo bem claro que não tenho nenhuma vocação para virar santo, nem herói. Também não tenho vocação para terrorista ou criminoso como Bin Laden. Muito menos recebo mensagens do além como Chico Xavier. Portanto quero ser lembrado por palavras minhas, uma frase, uma crônica, uma música. Assim, nos dias dos finados, as velas acesas em minha homenagem não serão somente de meus parentes próximos.



Bento.

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terça-feira, 19 de junho de 2012

UM OLHO NO PEIXE E OUTRO NA GATA (FUTEBOL)


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Hoje é dia de Corinthians e estamos todos no bar, é claro.
Todos devidamente uniformizados e com cervejas nas mãos, menos eu. Eu tomo Dreher, afinal, além da "dureza", é a forma mais fácil de ficar "simpático" gastando pouco.

Ao meu lado -- não ao lado exatamente, mas em meu campo de visão -- existe uma estudante de jornalismo inteligentissima e linda de uma forma pré-colegial. Aquela que lembra professoras do jardim de infância, mas agora eu tenho libido de adulto, uma combinação quase explosiva.

Então temos a estudante com uma sensualidade de mulher e um rosto de menina conversando com um qualquer. Logo estamos dividindo a atenção dos lances perigosos na área do meu time em pleno jogo de libertadores com o (tomara que não) casal conversando.

Falando do jogo, está chato. Truncado no meio de campo o time adversário ataca mais. São as faltas que fazem o jogo travar no zero a zero, bem como o casal que eu observo. Eu gosto do placar do casal, do jogo, eu quero mais é ver gol do Timão.

Por falar em zero a zero, observo sem ouvir a conversa do casal por causa dos corintianos no bar pulando e cantando os hinos da torcida como no estádio.
Eu não pulo para não derrubar o Dreher e porque acho que em bar não se pula, sim no estádio, mas não no bar.
Quero beber, ver o Corinthians ganhar e a lindíssima estudante, agora já bêbada, sair ao menos, sozinha.

Eu levo um terço no pescoço, não que seja religioso ou devoto, eu diria que é mais estética, porém nada impede de apelar para Deus quando o jogador do time adversário está de frente ao nosso gol. Não apelo pelo casal, pois não acredito que haja intervenção neste caso.

Meus olhos seguem lá e cá e penso que poderia prestar mais atenção no jogo, afinal dependemos da vitória hoje, para seguir em frente no campeonato. Só que a garota me encanta de tal maneira que dependerei da situação entre a estudante e o desconhecido para terminar a minha noite bem.

O juiz causa discórdia no jogo apitando mais faltas para o outro time, mas pode ser só a visão de torcedor. Claro que a essa altura do jogo, o empate jogando fora de casa, não é de todo ruim. Meu time entende isso e passa a jogar na defesa, bem como a estudante que se afasta do periculoso e eu me animo.

A torcida adversária passa a jogar copos de mijo em nossos jogadores ao cobrar escanteios e meu sangue começa a subir, da mesma forma meu ódio ao ver a linda universitária começar a colocar os cabelos atrás da orelha e arrumar a bolsa em seu ombro, inquieta, sinal clássico de que o indivíduo estava obtendo sucesso em sua empreitada. Algumas mulheres dão sinais, que o homem que se preze tem de saber identificar.

Bom para o autor que o menino não soube aproveitar da embriaguez e gestos da garota e excelente que o zagueiro do meu time tirou uma bola praticamente em cima da linha. Logo, eu fiquei dividido entre a TV, a garota, as pernas da garota, o Dreher e o cigarro. Nessa soma, agora o jogo tinha mais de minha audiência para que passasse despercebido na observação do casal.

O cronometro corre sem parar, quem não corre é a bola, que não chega ao ataque para que possamos abrir o placar. O Dreher tomando conta de minhas veias e o casal tomando minha atenção, afinal a garota das pernas maravilhosas voltara a colocar os cabelos atrás das orelhas, sorrir, mexer na bolsa e se aproximar do maldito que também era estudante.

Os torcedores continuavam a gritar e pular ao meu lado, até que acontece uma falta perto de nossa área, muito perto. Apreensivo eu já estava, pois a garota estava preste a se despedir da ameba ambulante que passou conversando durante todo o jogo. Se fosse, seria agora, na despedida, que aconteceria o beijo que faria eu, no mínimo, querer ficar muito bêbado e desanimar.

A barreira estava feita, os jogadores se empurravam e andavam para frente disfarçadamente no intuito de diminuir o espaço e visão do batedor. Eu disfarçadamente cruzada os dedos para que a garota fosse embora sozinha e sem beijo.

O juiz tomava distância pronto para apitar e permitir a cobrança, os torcedores do estádio e do bar roendo as unhas. Um silêncio tão devastador que quase consigo ouvir o que o casal conversava, quase, mesmo assim não era possível.

O juiz apita, o cobrador não vai imediatamente para a bola. Faz drama. O mesmo drama que a garota faz para se despedir. O cobrador já está a dois passos da bola e o casal tem agora, suas bocas tão próximas que sentiam o hálito um do outro. O camisa 11 bateu na bola com jeito e ela viaja sem pressa em direção ao gol. Meu goleiro dá passos largos para o lado como um caranguejo e mantém seus olhos esbugalhados. A mão do cretino está no pescoço bem abaixo das orelhas da estudante. Queria eu, ser vesgo neste momento para poder olhar para os dois lances. Um olho no peixe e outro no gato. A bola ia em direção ao gol e o goleiro tentava acompanhá-la. As bocas se aproximaram e já faltavam poucos centímetros para que até seus cílios se tocassem.

Em onde eu fixaria os olhos eu não sabia. Na bola ou nas bocas? O goleiro pulou e passou despercebido pela gorducha seguindo seu caminho em paz até a rede. Nada poderia lhe impedir, nada a abalava. Os zagueiros já não se mexiam dentro da área. O cobrador inconscientemente já se dirigia a sua torcida para comemorar o gol da classificação que parecia inevitável. Eu já me preparava para o beijo inevitável. A bola foi. NA TRAVE! E caprichosamente saiu de campo por cima do travessão. A boca do garoto seguiu em direção a linda e deliciosa boca da garota e numa esquiva típica de mulher difícil encontrou apenas sua face esquerda.

Todos pularam e comemoraram como se fosse um gol do nosso time, a bola para fora, é claro. Até eu pulava e o Dreher foi pelos ares e serviu aos santos. Mas eu. Eu comemorava a solidão da garota a caminho de casa.

E o jogo? Ora, quem liga para o jogo?


Bento.