quarta-feira, 18 de abril de 2012

APRESENTANDO: GIULIARD BORSANDI. A mini-série

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Era uma vez um mundo cretino chamado Tedioso.
Não. Isso não é uma história para crianças.

Meu nome é Giuliard Borsandi, sou formado jornalista e o diploma só me serve para tapar o buraco no reboco da parede de meu escritório num prédio do tempo de Dom Pedro I no centro de São Paulo. É preciso manter um mínimo de boa imagem na minha profissão. Por isso o diploma emoldurado na parede, caso contrário ele estaria no lixo.
As pessoas respeitam um diploma, não importa do que seja, desde que você tenha passado quatro anos numa universidade medíocre, ou fingindo ser estudante no bar enchendo a cara e comprando as garotas com álcool, maconha ou qualquer tipo de droga.
Não importa, se no fim, você tiver um diploma para mostrar aos outros.

Esse nunca foi meu caso, eu era um dos melhores alunos da sala, quase um puxa saco de tão CDF. Na verdade eu era um puxa saco. E foi por isso que conquistei a garota mais linda da sala, mesmo sendo bolsista.
O nome da garota era Nelia, tão rica que não precisava sequer perder seu tempo na faculdade, poderia viver só do luxo oferecido pelos pais, digo isso sem exagerar, era muito dinheiro. Mas ela tinha um discurso de revolucionariazinha que nunca passou vontade de nada e queria ser jornalista e manter-se por suas próprias pernas. Ao pensar nisso tive que rir, "viver com as próprias pernas...", ela nunca soube o que realmente significa isso. Então começamos a namorar e eu a amava.

Eu terminei a faculdade e era um gênio, fui orador da classe e um professor, o Prof. Deleno me indicou para um dos melhores jornais do país.
Uma bela vida para um garoto sem pai, de vinte e dois anos que saiu do subúrbio da Zona Leste.

Com vinte e dois anos eu tinha uma noiva ninfeta de 20, o título de melhor aluno do curso e um emprego dos sonhos. Mas como disse um jornalista amigo de redação que cuidava dos anúncios dos classificados "quanto mais alto está, mais alto é o tombo".

Eu já estava há dois anos no jornal e já namorava uma vaga de jornalista investigativo que era o melhor salário do jornal, fora o bônus, só abaixo do salário do Dr, Hernandes que era editor, é claro.
A tal vaga era meu sonho, Dr. Hernandes já tinha me oferecido o emprego e faltavam apenas alguns detalhes burocráticos, o Peralta se aposentaria no fim do mês e eu passaria a ocupar seu lugar.

Foi então que a vida de jornalista de Giuliard Borsandi foi para o lixo. Assim como irá meu diploma quando eu puder rebocar a parede.

No dia da aposentadoria de Peralta, Dr. Hernandes chamou todos para a reunião de despedida e anúncio do novo investigador, quando digo todos, é verdade, desde os anunciantes mais influentes do jornal até a tia do café, dona Rosa. Eu explodia de felicidade por já saber o que me esperava, Nelia, que escrevia para o caderno de cultura segurava minhas mãos úmidas de suor e me olhava com um sorriso apoiador no rosto.

Dr. Hernandes entra então na sala, sobe numa cadeira para dizer algumas palavras para Peralta e todos aplaudem e assoviam, outros choram pela falta que fará o velho e bom jornalista.

Peralta me ensinou muitas coisas nesses anos, eu lhe sou grato até hoje, apesar de achar que ele poderia ter me avisado da catástrofe. Talvez ele tenha tentado, seu rosto sempre sorridente, naquela hora era nulo, olhava-me e era nulo. Já Dr. Hernandes era carrancudo, sempre fora, mas desta vez era muito sorriso, o que me causou certa estranheza. Porém meu faro de jornalista só começou a delatar cheiro de podridão quando o maldito editor barrigudo e seu bigode nojento chamou Ricardo Albuquerque, um industrial e maior anunciante do jornal, ele vinha com seu terno de um milhão de dólares possivelmente, tinha a tiracolo seu filho Ricardinho, um estagiário bunda mole que não sabia a diferença entre matéria e artigo. Um ridículo baba-ovo filhinho de papai.

O velho barrigudo então anuncia:
 - Quero parabenizar o substituto do insubstituível Peralta...

Minhas mãos agora não suavam mais, derretiam. A ponto de Nelia largá-las para enxugar as suas na lateral da calça. Suspense.

 -... Uma salva de palmas para...

Eu já tinha dado um passo à frente quando ouvi o nome de minha desgraça.

 -... Nosso excelente jornalista, Ricardinho Albuquerque Júnior.

E meu estômago agora murchara a ponto de me dobrar de dor.
Todos aplaudindo, até Nelia, com decepção também, eram palmas sociáveis, mas ainda assim aplaudia.

 - Como assim, Ricardinho? Esse filho da puta não é jornalista nem de jornal de bairro. Que piada de mau gosto é essa?

Silêncio. Era o que fizeram naquele momento. Todos agora me olhavam e Nelia chutava minha canela com olhar taxativo para que eu mantivesse-me calado. Só que era muito para mim.
Houve um pigarro de alguém não muito longe de onde eu estava e aquela pose fajuta continuaria quando eu interrompi novamente.

 - Dr. Hernandes?! E aquele papo de que eu merecia essa oportunidade por minha competência? E etc.; etc.; etc.

Dr. Hernandes então, com seu bigode grisalho e sorriso amarelo devido ao cachimbo fedorento que fumava em sua sala disfarçou: - Acalme-se Giuliard, todos terão oportunidades...

Albuquerque já cochichava algo em seu ouvido quando Ricardinho com aquela cara cheia de espinhas nojentas de punheteiro comedor de puta pediu por um soco na cara. Pediu não, implorou. - Giu, se acalme. Faz parte do homem saber quando foi superado. Trabalhe isso em você.
Foi a gota d'água.

Resumindo: eu pulei em cima daquele viadinho de bosta e foram os três socos mais bem dados de toda a minha vida. Me lembro ainda dos seguranças me colocando para fora do prédio como um bandido e os gritos de Dr. Hernandes "Você nunca mais irá pisar numa redação, seu moleque! Nunca mais." E foi o que aconteceu.

Eu até tentei trabalhar em alguns jornais de bairro, mas assim que saia um artigo com meu nome eu era imediatamente chamado na sala do editor para me demitirem. Hoje eu tenho um escritório com meu nome na porta acima do cargo “investigador”, mas poderia ser "destruidor de matrimônios" ou "delator de cônjuges adúlteros".

Pratico a escrita com contos que nenhuma editora teve interesse em publicar e Nelia...
Nelia se casou com o jornalista investigativo do antigo jornal onde eu trabalhava. Agora chama-se Nelia Albuquerque.


Bento.

CONTINUA EM: GIULIARD BORSANDI (CÁPÍTULO II)

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Um comentário:

Luciana Santa Rita disse...

Betinho,

Tudo bem? O seu conto foi daqueles que torpeçam na civilidade, pois acontece a todo momento e não adianta pensar que o mundo é justo. A vida com o ela é. Sem lenços ou talento, mas com a chancela do QI.

Bom final de semana querido!


Lu