sábado, 18 de outubro de 2014

VIAGEM SÓ DE IDA AO INFERNO E FANTASIAS DE GAROTAS


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Eu sempre penso no passado e no futuro. Penso pois sou de pensar muita coisa. Não vou negar, sou um arrogante e um egocêntrico que quando penso, logo penso em mim e em minha vida. Sou um egoísta porque prometi que seria há tempos e cumpro até hoje.
Penso que alguns anos atrás eu estava voltando para casa tão bêbado quanto se pode estar. Eu não sabia onde estava, mas sabia para onde ia. Instintivamente eu sabia. Bêbado nunca esquece o rumo de casa, quando esquece está morto. Eu sou um bêbado, nunca escondi de ninguém, no entanto eu sou. Há tanta gente por aí que sequer é alguma coisa.

Então uns quatro anos atrás, ou mais eu diria, eu estava muito bêbado e andarilho, isso porque tinha perdido o último metrô. Tinha parado no meio do caminho para mijar, pois quem bebe sabe que chega um momento que não se pode mais segurar. É como o vômito, se pede passagem dê boas vindas, não há o que fazer. Eu já não vômito há uma década, mijar é outra história. Eu estava há quilômetros da minha casa e precisava andar muito. Meus pés já não aguentavam mais e meus cigarros estavam acabando. Minhas pernas entrelaçavam uma na outra e minhas mãos e cotovelos em carne viva de tanto se apoiar nos muros. Por duas vezes quase ganho uma mordida de cachorro por enfiar o braço em um portão perigo. Beber é para quem tem o dom. Não se pode decidir da noite para o dia ser um beberrão, é preciso talento e coragem, destreza e habilidade e isso eu sempre tive de sobra. O fato é que cansei, e surpreendam-se se quiserem, eu cansei de andar. Mesmo bêbado cansei. Meus pés latejavam a ponto de me fazerem esquecer dos ralados nas mãos e braços. Eu fumava e sentia embrulho no estômago, quase que vomitando, porém como eu disse, eu nunca vomito. Sentei e dormi. Dormi o sono dos vencidos. Olha que nunca fora fácil derrotar-me, não para o álcool. Sempre brigamos de igual para igual. Mas como profissionais, daqueles que se respeitam e se cumprimentam ao final de cada luta. Nesta fui vencido e dormi. Ali, na sarjeta, com a bituca do cigarro ainda entre os dedos. Acordei com os mendigos, com o sol e as portas de aço dos comércios se abrindo para um novo alvorecer do capitalismo e só depois cheguei em casa.
Vou ser sincero, não foi a primeira nem a última vez que dormi na sarjeta. Não eu. Num outro texto eu falei sobre homens que perdem um amor e o quão eles deixam de existir. Bem, vendo o homem que sou hoje tenho de dizer que há três ou quatro anos eu não era nem dez por cento, não chegava a dez por cento. Era um maltrapilho metido a esperto e de uma arrogância tamanha simplesmente porque tinha lido dez vezes mais livros que qualquer outra pessoa que eu conhecia. Mas o que isso queria dizer, eu me pergunto hoje e eu mesmo respondo: nada, exatamente nada. Enfim, eu não passava de um estragado que vivia estragando a minha vida e a vida das pessoas que me rodeavam. Tive amigos ficando depressivos para acompanhar minha fossa. Vê se pode? Não quer dizer necessariamente que eram todos bons amigos, não, definitivamente não. Alguns eram, mas nem todos. De toda forma eu era um lixo, e mesmo que eu pudesse não teria meu amor de volta. Também pudera, quem gostaria de ter ao lado alguém como eu? Muita gente, se querem saber. Foi uma época que transava como ninguém e por incrível que pareça, mesmo bêbado como um porco ainda tinha saúde a ponto de transar e merecer que elas voltassem. Não todas, só as que eu queria que voltassem. Desta época tenho garotas que voltam até hoje, pois sabe como é, algumas coisas são como andar de bicicleta. Mas definitivamente não foi a primeira vez que eu acabei dormindo com a cara na sarjeta. E pela primeira vez eu vou dizer aqui: tudo culpa de uma mulher. Tudo culpa dela. Do primeiro copo ao último cheiro na carreira.  Todas as brigas, os porres, as transas de esquina, as esporradas na cara de estranhas, os gorfos alheios em meu pau e etc. O lixo, a podridão, a destruição do meu corpo e minha alma, o pacto com o Diabo, é tudo culpa dela. Claro que houve uma cooperação de minha autoflagelação e minha persona non grata no mundo dos inocentes, mas de resto a culpa é unicamente de uma mulher. Eu sei qual é, algumas pessoas sabem de quem eu falo, talvez você mesma esteja lendo isso e me acusando de calúnia, porém a culpa é sua. Pronto. Resolvido. Vida que segue. E seguiu, mais ou menos. Pois assim como a culpo pelas mazelas eu também dou credito pelos louros. Sempre disse aqui que não comecei a escrever do nada. De início escrevia letras de músicas, mas eu era um jovem e não sabia nada da vida. Com a tragédia passei a escrever outras coisas até que cheguei aqui. E depois, só depois de quatro anos e pouco a culpo por qualquer coisa ruim. Acontece. Tarda mas não falha.

Mas queria falar sobre outra coisa. Queria falar como as coisas simplesmente acontecem. Eu nunca fui daqueles de decorar frases feitas para soprar aos ouvidos das garotas e esperar que elas caíssem de amores por mim. Talvez fosse minha rejeição aos clichês falando mais alto desde cedo. Eu sempre fui o sujeito que fui chegando aos poucos, com cuidado, me aproximando como um gato da folha seca. E sem que elas dessem conta do perigo lá estava eu com as garras afiadas na carne crua e macia, pronto para me deliciar. Ainda hoje as coisas seguem da mesma forma, o destino coopera porque ele gosta de se divertir e eu sou um bom entretimento para ele. Como um serial killer eu me aproximo fingindo-me de inocente mas sendo denunciado pelo olhar e este sempre me trai, afinal de inocente ele não tem nada.

Pronto.

Acaba que somos dois seres desejando a mesma coisa nas ainda disfarçando e é dessas situações que saem as melhores transas. Uma casal de mineiros se comendo secretamente. Aprendi que o maior segredo da conquista esta no cotidiano. Artificialmente consigo fazer com que uma coisa leve a outra, todavia tudo foi planejado, inclusive as falas. A cerveja ajuda a afastar a inibição e brincadeiras vão virando verdades conforme as garrafas vão esvaziando e pronto, simples assim. Parece fácil, só que não é. Necessita de talento para tanto.  Falando em talento, se este é a primeira vez que lê algo meu precisa saber que eu sou um egoísta do tamanho do mundo e que possuo tamanha arrogância de escrever só para mim. No entanto, hipócrita não sou e não vou fingir que torno meus pensamentos públicos para regar minha vaidade. Então estava conhecendo um novo bar com alguns amigos e todos começaram a falar de meus textos. Uma garota dizia que inspirava-se neles para escrever. Um cara dizia que esperava ansiosamente cada publicação imaginando-me no ato da escrita com máquina de escrever, whisky, cigarros e os demônios à sobrevoar minha imaginação. Eu poderia ter dito a ele que em toda minha vida estive diante de uma máquina de escrever apenas duas ou três vezes, porém não se pode podar a imaginação de ninguém. Por fim começamos a lembrar de alguns textos e eles se saíram melhor que eu, pois possivelmente os destilados ajudaram a acabar com o pouco de memória que eu tinha.

Dias depois descobri que arrumei uma nova paixão, daquelas que já citei por aqui e insisto - se você nunca leu nada sobre mim precisa saber - tenho um fraco por garotas lindas, tatuadas, magras, de pernas finas e barriga reta. Esta nova garota que conheci só não é tatuada e me vi apaixonado em pouquíssimo tempo. Trata-se de uma perfeita combinação de tudo que almejo e é claro que ela deve ter todos os defeitos do mundo como todas as outras pessoas do universo e seria tedioso caso não tivesse. Como aqueles momentos que você leva um choque quando toca em alguém, foi assim quando toquei sua cintura, por um leve momento. Mais um esbarrão que um toque e eu pude sentir sua cintura fina, barriga lisa e naquele momento eu a vi nua - só em minha imaginação, claro - estendida em minha cama, com rosto sonolento enquanto eu a observava do lado oposto do quarto fumando um cigarro e desejando que aquele momento não acabasse nunca. Imaginei-a com as pernas levemente dobradas, uma mais que a outra, uma mão abaixo do queixo e a outra repousada na barriga. Magérrima e linda, cabelos emaranhados e eu com dor na bexiga de segurar o mijo sem querer desviar os olhos daquele quadro maravilhoso. Sua cicatriz no rosto perfeito lembrando-me que todo paraíso tem seu porém. Um dramático eu sou? Sim! Um grande romântico? Com certeza!
Sentindo-me um adolescente que sonha acordado com a professora, neste momento eu corei e tão rápido meu devaneio fora que não creio que ela notou minha timidez momentânea. A diferença é que neste caso eu seria o professor do ginásio, afinal, por mais vivida que ela possa ser nada se compara às merdas que eu já fiz, aos infernos que eu já habitei, aos esgotos em que eu já dormi.
Digo que sou um romântico, pois como qualquer tarado - não descarto que eu seja um e dos piores - eu deveria imaginá-la nua e amarrada, nua e bem acordada, nua e realizando as minhas fantasias mais secretas, afinal, devaneio é devaneio, no entanto quis minha mente levar-me para meu quarto e espiá-la dormindo. Talvez isso deva-se ao fato de que tê-la, ali, repousando após o esforço de nos deliciarmos seja a minha fantasia mais secreta, tão secreta que mesmo eu não tinha conhecimento. E eu que sou um rebelde achando que minha maior fantasia obrigatoriamente teria de ser selvagem e violenta. Ao contrário, tão leve como a fantasia de uma garota. Vai entender.


Agora, quero que entendam o motivo pelo qual eu escolhi dividir este pensamento entre tantos que possam ser mais importante ou até mais divertido. Começarei dizendo que meus finais de semana são todos ao extremo como minha vida toda. Ou passo solitário apenas com a companhia do Tédio, ou passo os dias de descanso cometendo das mais intensas colaborações para minha viagem só de ida ao inferno, de acordo com os religiosos. Das maiores atrocidades, até a pele sangrando por unhas femininas. Garrafas e mais garrafas vazias e cama cheia. Então posso dizer que o último fim de semana nada teve de tedioso. Todavia, mesmo com os lábios dormentes, as pernas bambas, as paredes sussurrando pornografias, eu não conseguia me desprender de um pequeno esbarrão da cintura da garota com a pequena cicatriz no rosto.


Bento.

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