terça-feira, 22 de setembro de 2015

SÓ QUE SOMOS SÓ UM AMONTOADO DE CARNE, BANHA, PUS E TRIPAS

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É curioso como podemos fazer coisas repetidamente, todos os dias, mecanicamente e nunca nos darmos conta. Como um aparelho doméstico, funcionando e funcionando e é só. Dias atrás eu me vi no meio do caminho para o trabalho e sequer me dei conta de como fui parar ali. Simplesmente parei e pensei; mas como foi que vim parar aqui? Olhei-me e estava vestido, com as chaves, cigarros e celular no bolso, tudo em ordem. Cabelo penteado, passei a língua nos dentes e estavam escovados, mas eu não me lembrava de ter feito nada disso. Digo, lembro-me de acordar e acender um cigarro e depois disso PUFF! Qualquer memória foi pro saco, como se eu estivesse ficado bêbado e aparecido ali, acordado do porre ali. Só que era de manhã e eu estava indo trabalhar. Tudo daquele momento para trás se perdeu. Não lembrava dos cigarros que fumei, nem das canecas de café que tomei. Não lembrei de ter cagado, de tomar banho, de pegar o ônibus ou o metrô, de nada. Estava ali automaticamente, fiz o caminho inconsciente porque eu faço todos os dias. Não lembro da cara de cu do cobrador, não lembro dos velhos que fazem questão de acordar cedo e encher o transporte coletivo. Não lembro dos gordos que ocupam o dobro de espaço num transporte que já não cabe mais ninguém. Não lembro se li meu livro, se usei o banheiro da estação. NADA. Só lembro de estar ali, no meio do caminho para o trabalho como faço todos os dias. Um lapso? Seria loucura? Finalmente minha mente estava pedindo, ou clamando, por uma aposentadoria? Então meu corpo vagaria por aí sem mim ou sem minha mente, ou eu seria apenas um passageiro de meu corpo, sentindo, vendo, cheirando, porém sem controle nenhum sobre qualquer músculo. Com consciência, mas sem autonomia. Espectador da minha própria vida. O interessante é que meu corpo, em carreira solo, possivelmente teria mais sucesso que eu (quem não teria?). Talvez eu esteja com dislexia. Talvez eu esteja morto sem me dar conta, mas as contas continuam chegando, então estou vivo, pois os cobradores são os primeiros, a saber, das nossas vidas ou mortes. Reparei que quando me dei conta do meu lapso eu estava andando rápido, quase correndo, mas por quê? Bem, estou sempre atrasado e também estava naquele dia, mas se sempre estou atrasado então qual a diferença? Correr por quê? Aliás, esta é uma pergunta que eu vivo me fazendo e eu não consigo responder nunca.

O Tédio. O Tédio e as outras coisas. Por quê? Pra quê? Acordar por quê? Levantar pra quê?
Por que comer se daqui a pouco estarei com fome novamente? Por que tomar banho? Por que tenho que sair de casa? Por que levantar da minha cama? Trabalho todos os dias, de segunda à sexta, o mês inteiro, pago as contas e começo tudo de novo, por quê? Pelo final de semana? Trabalho exclusivamente pelo final de semana. É nisso que minha vida se resume? Trabalho e final de semana. Uma semana toda de martírio para poder passar o final de semana todo na minha cama esvaziando garrafas. Pra quê? Por quê?

As pessoas são decepcionantes, a vida é decepcionante. Talvez você ainda não tenha passado por situações ruins suficientes para perceber que nenhum de nós vale o esforço de um pequeno músculo sequer. O curioso é que todos nós nos superestimamos. Sempre achamos que somos um pedaço de carne selecionado por Deus. Inventamos que existe alma apenas para nos sentirmos importantes, só que somos só um amontoado de carne, banha, pus, tripas, tudo isso misturado com altas doses de egocentrismo. Todo homem acha que seu pinto é maior e melhor que os dos outros. Toda mulher acha que trepa melhor que todas as outras. Tem caras que gastam o que não tem para comprar carros enormes e caros para se sentirem mais e melhor. Mulheres que colocam silicone e passam horas no salão de beleza tentando ser a droga de uma boneca inflável ambulante. E aí você pensa; o cara se resume a dois braços musculosos. Tudo bem se você preferir um pedreiro em tempo integral, tudo é uma questão de gosto. Tudo bem se você prefere comer uma garota com os glúteos tão rijos quanto seu pau. Tudo é uma questão de gosto. Mas é exatamente aí que você começa a perceber que a vida já não representa grande avanço e que as pessoas não estão demonstrando seu melhor. É uma mecânica que eu particularmente não aprovo, se é que aprovo qualquer coisa mecânica.

Enquanto isso vou escrevendo no ritmo que a inspiração mandar. Esperando a falência do mundo como espero do fígado. Vivo a vida em meia dúzia de latas de cerveja por vez. Exercitando a arte de menosprezar a humanidade e lamentar por estar certo. Vejo pernas e bundas e peitos passeando pelas calçadas. Pedaços de carne, por vezes suculentas, mas na maioria não passa de banha crua e molenga. Poucos cérebros, pouca consciência, nenhuma aptidão para tomar as rédeas de suas próprias vidas. Transeuntes vegetativos. Zumbis babando e escarrando e cagando. Não mais que isso. Um exército, se prestar bem atenção, não passa de uma massa de gente, um exército de seres repetindo gestos, imitando falas, frases e comportamento. São coadjuvantes da vida real, não se fazem notar.

Conversando com um amigo uma vez, ele me contava sobre uma transa que teve com uma garota. Ela despiu-se e deitou na cama de pernas abertas. Este meu amigo olhou a garota branca como um palmito e seu corpo não era tão diferente. Nada de peitos, o pouco de bunda que tinha a posição que ela escolhera não favorecia. O maior volume de carne que tinha em seu corpo estava na região do abdômen e o que foi bem pior, quando pensou em levantar suas pernas para ensaiar um frango assado pode reparar em restos de papel higiênico picados como quem limpou a bunda depois de cagar com uma marca de papel da bem vagabunda. Bêbado como estava na hora, ele pensou; já que estou aqui...
Bem, meteu-se dentro de uma camisinha e como um cientista maluco com sua veste protetora entrou de cabeça naquele mundo subterrâneo. Fico eu aqui pensando com meus botões; ainda não inventaram camisinha ou nada parecido que protege contra a humanidade, além da solidão.



Bento.

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