Eu estava parado na frente de casa. Tinha ido buscar as correspondências e recolher a merda dos cachorros e fiquei ali, parado. Era sábado e o carro que vende ovos estava passando por ali. Talvez eu precisasse de ovos, mas me contive. Estava de bermuda e camiseta e apenas os cigarros nos bolsos. 5 Reais a dúzia ele alarmava em seu alto falante e dizia que seus ovos eram os melhores. Como se as cloacas de suas galinhas fossem melhores que as dos outros. O carro dos ovos se foi debaixo de um sol tímido, porém o bastante para criar ânimo suficiente para abrir uma cerveja, eu estava na segunda e não tinha passado das onze horas.
Normalmente eu só bebo cerveja de manhã quando estou de ressaca. Esse negócio de que cerveja é um bom remédio para ressaca não é história, eu aprovo. Confesso que o primeiro gole é difícil, mas depois fica tudo nos conformes. Não estava de ressaca porque cheguei do trabalho no dia anterior e dormi. Estou numa fase de deitar e dormir com uma facilidade incrível. Bebia um gole da cerveja, tragava mais uma vez o cigarro e pensava que caso eu tivesse meus vinte anos novamente estaria me odiando uma hora destas. Vinte anos ou menos. Diria o eu mais jovem que tinha me vendido. Não passava de um coxinha vendido, traidor do sistema. Horas atrás eu estava de sapatos e camisa, como aqueles caras de escritório. Vendido. Por um salário bem maior eu me prestava àquele papel, vestir-me como um idiota. Pensei que já não tinha mais vinte anos e que meus vícios só aumentavam e com isso um salário maior era mais que necessário. E daí que meus sapatos me faziam sentir-me como um palhaço num picadeiro? Eu nunca fui um comunista idiota e nem tinha pais ricos, ou ao menos de classe média, então sempre precisei trabalhar e se este trabalho tinha por fim um salário mais gordo, bem, que sorte.
Passei a pensar que precisava de uma cama nova e maior. Eu estou ficando velho e dormir numa cama de solteiro, velha e acompanhado já não era tão fácil como quando eu tinha vinte anos. Minhas costas, o pescoço, braços, eles reclamavam. Na caixa de correio tinha um jornal das Casas Bahia e talvez por isso passei a pensar em trocar de cama.
Comecei reparar nas pessoas que passavam pela rua a pé ou de carro e lamentei por uma sequencia de dez ou mais pessoas feias. Onze, doze. Comecei a desconfiar daquele dia. Tenho tudo contra pessoas feias. Treze eu contei, incluindo minha vizinha crente e gorda e o cara do carro do ovo. É incrível como existem pessoas feias no mundo, se duvida vá para qualquer lugar público e bem movimentado e comece a reparar. Eu já aprendi a filtrar, a só reparar nas pessoas bonitas. Os belos são inspiradores. Estações de metrô, pontos de ônibus, shoppings, hospitais, só gente feia. Um ou outro que se salva e você aprende com o tempo a filtrar. No entanto, em alguns lugares não existe nada para filtrar. É como derramar água numa peneira. E convenhamos que os feios sejam tão deprimentes. Esse tipo de lugar onde só se vê feiura me causa tédio e depressão. Outro dia estava parado na porta do shopping esperando uma garota e era um dia como hoje. Uma sequência incrível de pessoas feias. Trinta, quarenta... E um e dois e três. Fumava um cigarro e esperava a garota.
Ao meu lado havia três mulheres campeãs em feiura. Uma pior que a outra. Cabelos feios, roupas feias, risadas feias. Uma delas estava grávida e eu pensei: mais uma pessoa feia no mundo.
Entendam, pessoas feias nos trazem pensamentos horríveis. Ao sentir um fedor, por exemplo, você logo procura alguém feio para culpar. Num elevador cheio de pessoas, você sente um cheiro de peido e seu inconsciente já acusa o mais feio porque internamente achamos que pessoas bonitas não fedem e nem peidam, e caso peidem, trata-se de um peido mais ameno. Claro que isso é um absurdo, mas inconscientemente ligamos feiura a fedor. Ser feio realmente é uma tristeza. Feiura lembra pobreza, lembra merda. O pecado de Deus foi criar o feio. Errou e tirou cópias.
Ainda sobre beleza, tenho reparado que as melhores garotas já foram domadas. As belas e estilosas, as belas e inteligentes, as belas e burras, as belas e ricas e também as pobres. Até as belas e lésbicas já foram domadas.
Eu sempre tive como conceito não pegar o que é dos outros. Um pacto que eu fiz com as forças maiores. Realmente um conceito, meu. E como toda regra, minha, eu posso quebrá-la a hora que eu bem entender e por isso, por vezes as quebro.
Então outro dia sai com uma garota, linda, uma delícia, de uma safadeza impar, a ponto de me deixar constrangido, coisa difícil de acontecer, mas constrangido eu fiquei tamanha safadeza, da garota, que era casada. Acontece. E acabou acontecendo e garanto que não me arrependo. Fugir de regras, mesmo que as minhas, ainda me traz certo prazer de jovem. Já que as mais belas já estão com baitas alianças nos dedos alguém tem que sair feliz nesta história toda e eu sempre tendo pro meu lado.
Mas voltando a falar das feias. Outro dia comecei a receber fotos de uma garota, feia, tadinha. Todo dia olhava o celular e tinha uma foto nova desta garota. Começou com fotos normais, depois passou a fotos com caras e bocas até que recebi a primeira foto dela nua. Uma após a outra. Às vezes de manhã, semiacordado, com meu mau humor nas alturas, ainda no primeiro cigarro e aquela visão do inferno no meu celular. Outras vezes de noite, cansado do trabalho, já no último cigarro amaciado pela dose de whisky antes de dormir e me deparo com aquele espanto. Uma mistura de seios asquerosos, rosto perturbador, barriga temerosa, pélvis peluda. Alguém precisa dizer a essas pessoas que ser solteiro não é sinônimo de desespero, nos dias de hoje? E que a intensidade do tesão não vai de acordo com o tamanho de bundas e peitos. Só gosto de abundância de carne nos meus churrascos. Convenhamos, eu tenho uma reputação a zelar.
Bento.