Então eu vinha embora do trabalho pensando em meu banheiro.
Não propositalmente. Era forçado a desejar chegar cada vez mais rápido, afinal,
eu precisava evacuar o mais depressa possível. Porém ou lembrei que em casa não
tinha uma gota de álcool sequer e isso é inadmissível. Travei o reto e passei
no posto de gasolina para comprar cervejas e cigarros.
Resumindo; consegui chegar em casa sem nenhum acidente. E
aqui estou eu. Sentado na privada dando uma boa cagada, ouvindo Albert King com
a gaita de fundo e tomando uma cerveja que ameniza, um mínimo de qualquer coisa
neste calor infernal. Neste momento eu penso; puta momento feliz. Eu sou feliz
agora. Estou feliz. O homem que não puder pagar pela sua própria cerveja não
passa de um verme. O homem que não puder cagar em seu próprio banheiro é um
homem desesperado. Não há futuro.
Agora já é Robert Johnson que canta e eu fixo os azulejos do
banheiro feliz da vida. Não saio daqui enquanto não terminar o cigarro, pois
acredito piamente que cagar e não fumar um cigarro é um pecado mortal. Bem como
os religiosos acreditam em seu deus e suas doutrinas eu acredito que cagar sem
tempo de terminar um cigarro é um insulto aos deuses de qualquer espécie.
A verdade é que além deste momento único e sem sentido,
porém feliz, outra coisa me fez uma criança novamente de tão animado. Somente
uma coisa poderia arrancar sorrisos idiotas e piadas infantis em meio ao mau
humor que prevalece em minha existência. Uma garota. Da qual resolveu dar o ar
da graça. Uma esmola de atenção qualquer e isso já fez de mim o cara mais feliz
do mundo. Ninguém pode dizer o contrário. Pelo contrário. Todos aparentemente
perceberam. Minha garota, ela não sabe, mas sempre foi minha garota e a única
da qual eu sou fiel. Até hoje. E eu acredito, talvez errado, mas acredito, que
ela só voou pelo mundo com tanta segurança porque sabia que sempre haveria um
coração abandonado do qual definhava de amor para que ela pudesse voltar.
A musa das musas dá um sorriso e eu começo a regurgitar
inspiração. Seu título não é à toa.
Confesso que fui conferir quantas latas de cerveja eu tinha
bebido na noite anterior para ter certeza que não era o álcool me pregando
peça. Depois disso belisquei-me, sei que não faz sentido, mas nunca se sabe o
que nossa mente pode fazer conosco quando desejamos muito uma coisa.
Perdi o jeito de falar com esta garota. Meço as palavras e
mesmo assim depois de ditas me sinto um idiota, por isso acabo falando demais.
Ainda não sei como não babo como um retardado, mas chego próximo. Piso em ovos
e quase não respiro porque ela é meu dente-de-leão, qualquer brisa e ela pode
partir como todas as outras vezes. Talvez soe gay para quem está acostumado com
os padrões de minha escrita, mas é difícil escrever sobre isso de forma
diferente. Baixo a guarda, transbordo de bundamolice,
e agora sim eu já estou necessitando de um babador.
Ela é dona de uma poção do amor que me tira dos quintos dos
infernos e me faz cheirar flores em parques, sorrir para crianças e dar atenção
a velhos na rua. Logo eu que vivo nos porões mais putrefatos na cidade, ser da
noite endiabrado, odiado por onde passo, de discursos intensos e desaforados me
pego elogiando o sol e a chuva e aplaudindo o por do sol. Vejo-me brincando com
crianças e suspirando por canto de pássaros de manhã. Onde já se viu? Logo eu.
Como faz, quando um filho da puta como eu sai na rua
querendo distribuir abraços? Provável que quem ver vai pensar que estou bêbado,
mas nem alto eu faço umas merdas dessa. É quando começo achar que ela é meu
maior entorpecente. Senão o mais forte pelo menos o mais viciante.
Há tanta coisa pra dizer e as palavras simplesmente me
engasgam lutando para não soar. Nunca sei o que dizer. As mãos transpiram e
receio magoá-la. Mas não minto tentando parecer algo que não sou, afinal ela
não acredita em nada que eu digo mesmo. Gastar imaginação mentindo seria perda
de tempo, porém me assusta espantá-la com qualquer coisa de minha personalidade
velha e caótica.
Mas se você estava achando este texto feliz demais para os
padrões aqui vai uma boa notícia - pra vocês que gostam de má notícia. Assim
como esta garota voltou de repente ela se foi instantaneamente. Apareceu
solteira e logo depois comprometeu-se novamente. Foi só o tempo de criar
fantasias e histórias e engolir toda a baba novamente, com uma colher de
sobremesa. Babar e voltar a comer o mingau de esperança. Excluir-me de novo e
eu voltar a reconhecer a raiva estacionando na frente de casa, buzinar
antecipando a campainha. E eu ir olhar com curiosidade.
- Entre, eu tenho cervejas. Se prepare, pois hoje vamos
ficar bêbados até não acertarmos mais a boca.Eu disse à Raiva, velha companheira.
- Mas ela vai excluí-lo e depois procura-lo novamente, pois
é isso que ela faz. Disse a Raiva. E eu respondi cabisbaixo.
- E eu vou aceitá-la mais uma vez! Afinal é só o que eu faço
em todos esses anos. Espero que ela me procure e procure e procure novamente.
- Então me sirva àquela cerveja que prometeu. Você sempre
tem as mais geladas. Disse a Raiva.
- Um brinde. Eu disse.
E brindamos. Velhos parceiros de bebedeira.
Bento.
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