domingo, 8 de fevereiro de 2015

COMENDO A PRÓPRIA BABA COM UMA COLHER DE SOBREMESA

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Então eu vinha embora do trabalho pensando em meu banheiro. Não propositalmente. Era forçado a desejar chegar cada vez mais rápido, afinal, eu precisava evacuar o mais depressa possível. Porém ou lembrei que em casa não tinha uma gota de álcool sequer e isso é inadmissível. Travei o reto e passei no posto de gasolina para comprar cervejas e cigarros.
Resumindo; consegui chegar em casa sem nenhum acidente. E aqui estou eu. Sentado na privada dando uma boa cagada, ouvindo Albert King com a gaita de fundo e tomando uma cerveja que ameniza, um mínimo de qualquer coisa neste calor infernal. Neste momento eu penso; puta momento feliz. Eu sou feliz agora. Estou feliz. O homem que não puder pagar pela sua própria cerveja não passa de um verme. O homem que não puder cagar em seu próprio banheiro é um homem desesperado. Não há futuro.

Agora já é Robert Johnson que canta e eu fixo os azulejos do banheiro feliz da vida. Não saio daqui enquanto não terminar o cigarro, pois acredito piamente que cagar e não fumar um cigarro é um pecado mortal. Bem como os religiosos acreditam em seu deus e suas doutrinas eu acredito que cagar sem tempo de terminar um cigarro é um insulto aos deuses de qualquer espécie.

A verdade é que além deste momento único e sem sentido, porém feliz, outra coisa me fez uma criança novamente de tão animado. Somente uma coisa poderia arrancar sorrisos idiotas e piadas infantis em meio ao mau humor que prevalece em minha existência. Uma garota. Da qual resolveu dar o ar da graça. Uma esmola de atenção qualquer e isso já fez de mim o cara mais feliz do mundo. Ninguém pode dizer o contrário. Pelo contrário. Todos aparentemente perceberam. Minha garota, ela não sabe, mas sempre foi minha garota e a única da qual eu sou fiel. Até hoje. E eu acredito, talvez errado, mas acredito, que ela só voou pelo mundo com tanta segurança porque sabia que sempre haveria um coração abandonado do qual definhava de amor para que ela pudesse voltar.

A musa das musas dá um sorriso e eu começo a regurgitar inspiração. Seu título não é à toa.
Confesso que fui conferir quantas latas de cerveja eu tinha bebido na noite anterior para ter certeza que não era o álcool me pregando peça. Depois disso belisquei-me, sei que não faz sentido, mas nunca se sabe o que nossa mente pode fazer conosco quando desejamos muito uma coisa.

Perdi o jeito de falar com esta garota. Meço as palavras e mesmo assim depois de ditas me sinto um idiota, por isso acabo falando demais. Ainda não sei como não babo como um retardado, mas chego próximo. Piso em ovos e quase não respiro porque ela é meu dente-de-leão, qualquer brisa e ela pode partir como todas as outras vezes. Talvez soe gay para quem está acostumado com os padrões de minha escrita, mas é difícil escrever sobre isso de forma diferente. Baixo a guarda, transbordo de bundamolice, e agora sim eu já estou necessitando de um babador.

Ela é dona de uma poção do amor que me tira dos quintos dos infernos e me faz cheirar flores em parques, sorrir para crianças e dar atenção a velhos na rua. Logo eu que vivo nos porões mais putrefatos na cidade, ser da noite endiabrado, odiado por onde passo, de discursos intensos e desaforados me pego elogiando o sol e a chuva e aplaudindo o por do sol. Vejo-me brincando com crianças e suspirando por canto de pássaros de manhã. Onde já se viu? Logo eu.
Como faz, quando um filho da puta como eu sai na rua querendo distribuir abraços? Provável que quem ver vai pensar que estou bêbado, mas nem alto eu faço umas merdas dessa. É quando começo achar que ela é meu maior entorpecente. Senão o mais forte pelo menos o mais viciante.

Há tanta coisa pra dizer e as palavras simplesmente me engasgam lutando para não soar. Nunca sei o que dizer. As mãos transpiram e receio magoá-la. Mas não minto tentando parecer algo que não sou, afinal ela não acredita em nada que eu digo mesmo. Gastar imaginação mentindo seria perda de tempo, porém me assusta espantá-la com qualquer coisa de minha personalidade velha e caótica.

Mas se você estava achando este texto feliz demais para os padrões aqui vai uma boa notícia - pra vocês que gostam de má notícia. Assim como esta garota voltou de repente ela se foi instantaneamente. Apareceu solteira e logo depois comprometeu-se novamente. Foi só o tempo de criar fantasias e histórias e engolir toda a baba novamente, com uma colher de sobremesa. Babar e voltar a comer o mingau de esperança. Excluir-me de novo e eu voltar a reconhecer a raiva estacionando na frente de casa, buzinar antecipando a campainha. E eu ir olhar com curiosidade.

- Entre, eu tenho cervejas. Se prepare, pois hoje vamos ficar bêbados até não acertarmos mais a boca.Eu disse à Raiva, velha companheira.

- Mas ela vai excluí-lo e depois procura-lo novamente, pois é isso que ela faz. Disse a Raiva. E eu respondi cabisbaixo.

- E eu vou aceitá-la mais uma vez! Afinal é só o que eu faço em todos esses anos. Espero que ela me procure e procure e procure novamente.

- Então me sirva àquela cerveja que prometeu. Você sempre tem as mais geladas. Disse a Raiva.

- Um brinde. Eu disse.

E brindamos. Velhos parceiros de bebedeira.



Bento.

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