domingo, 25 de janeiro de 2015

COM UMA RESSACA DE 23 ALCOÓLATRAS

Quem estivesse de fora da brincadeira e olhasse em volta provavelmente acharia que o quarto tinha sido cenário de guerra. Uma garrafa de Jack tombada em cima da cômoda e outra recém aberta ao lado. Bitucas espalhadas pelo chão bem como latas e mais latas de cerveja. Embalagens de camisinha pareciam confetes em noite de carnaval, mas estávamos no natal. A noite também não era de Tarantino, era mais que isso. Aquilo não foi cenário de guerra, fora uma festa improvisada de bebedeira e sexo. Um religioso diria que arderíamos eternamente no inferno. Deus olhara para o outro lado tamanha libido. Já imagino os demônios assistindo de camarote e dançando ao som de Matanza no volume mais alto. E pecávamos ao ritmo da bateria de Interceptor V6.
Eu estava lá, mas não estava lá. Até meu pênis tava dividido entre sim e não. Meia vida, ele continuava a trabalhar por hábito, talvez. Bem, cada um tem o que merece e alguém decidiu que eu não mereço muito mais que aquilo, logo não se deve reclamar de suas conquistas. Instantaneamente sai de lá para outro lugar...

***

Outro quarto, sete anos atrás, quem se encarregava da trilha sonora era o vinil do Deep Purple repetindo o mesmo lado, incansavelmente. A bebida era Dreher, afinal, cervejas era um luxo que não tínhamos naquela época. Mas a garota... a garota abaixo de mim era a mais linda de todos os tempos. O quarto tinha o mesmo cheiro de sexo, porém os demônios não sorriam desta vez. Não sorriam porque eu estava feliz. Em todo o mundo, no decorrer da história, ninguém foi tão feliz quanto eu naquele fatídico momento em que transava com a garota dos meus sonhos e não sei se por felicidade ou por estar bêbado como um porco eu dormi. Dormi em cima da garota mais sensacional que já conheci.

***

Volto a mente para o quarto atual e enquanto sou chupado e a música agora é Escárnio, olho para minha cama e vejo um amigo mandando ver na garota que outra noite estava montada em cima de mim com uma libido de tirar os móveis do lugar.
Eu acredito que não sou das melhores pessoas, se tem opção afaste-se, não serei eu quem lhe trará conforto. Não sou dos melhores amigos. Mas certos caras, daqueles que estão comigo desde os primórdios levam sempre alguma história pra contar onde eu faço parte, como personagem principal ou coadjuvante digno de um Oscar. Cedi a transa e a cama para o amigo. Cedi porque tenho dessas às vezes. Por um pequenino momento torno-me bom. Entenda: Eu, bom. É mais ou menos tão raro quanto achar um filme bom na TV aberta quando se está sem dinheiro num fim de semana em casa. Uma coisa rara. Mas se ficar por perto tempo suficiente vai se deparar com esses bons momentos.

Algumas pessoas dizem que o meu quarto, ou qualquer lugar que eu esteja, é sempre o pior lugar para se estar quando quer andar na linha. Bem como Jimmy diz em Amigo Nenhum ou Tombstone City, depende de como terminará sua noite. Eu nunca obrigo ninguém a nada, mas dizem que eu desperto sempre o pior lado das pessoas. Isso pode ser um dom ou uma maldição, porém eu não acredito no que dizem. As pessoas fazem exatamente o que querem fazer e quando podem colocar a culpa em alguém pelas merdas todas elas fazem. A ressaca moral fica mais fácil. Ter as mãos tremendo e o estômago colado nas costas no dia seguinte fica mais fácil de justificar quando se esta na companhia de um culpado como eu. Não quero com isso dizer que sou inocente, mas afirmo, ninguém é.

Quando eu digo que tenho cara de culpado eu quero dizer que a maioria das pessoas tem uma visão de mim que não necessariamente seja a correta. Eu, por exemplo, bebo muito menos que as pessoas acham que eu bebo. Mas também não significa que eu beba pouco. Eu bebo mais do que muita gente diz que bebe. Se parecer irrelevante ou sem sentido para você leia de novo. Pode ser só falta de atenção.

Ok, já leu. Viu? Da segunda vez sempre faz mais sentido.

Uma vez minha ex-garota perguntou se eu ainda bebia como antes. Eu me apressei em dizer que não, pois estou dizendo a verdade. Com "antes" ela queria dizer na época em que estávamos juntos e digo sem medo de errar que eu não bebo como antes pois hoje bebo para algo maior. Para dar a extrema unção à alma. Bebo para relaxar a mente e os músculos. Bebo atrás de inspiração. Antes eu só bebia e pronto. Entende a diferença?

De qualquer forma neste momento, onde tudo isso se passava em minha mente eu era chupado enquanto via um amigo mandando ver numa garota dez anos mais jovem que ele e estávamos todos numa boa. As cervejas tinham acabado e mamávamos uma garrafa de Jack Daniels. Era uma noite do terror para quem ama terror. Era o pecado tomando forma e se tornando adulto. Claro, que com toda minha contribuição eu deveria ter uma esquina com meu nome em algum quarteirão do Inferno. Senão uma esquina uma encruzilhada. Pelos serviços prestados. Porra. No mínimo uma foto de funcionário do mês. Mas não de propósito. Falo isso segundo as crenças de merda dos religiosos de bosta. Pode ser que estejam todos errados e que não existe nada mais além de nós, seres humanos medíocres que servem de adubo para plantas.

Whisky, cigarros. Matanza acabava de tocar Rio de Whisky e fazíamos sexo no ritmo da música. E o Jack suavizando a garganta, preparando o caminho para o cachimbo. Algumas pessoas acham que essa coisa de beber e fumar e fazer merda é ruim. Na verdade não é mesmo. Eu por exemplo, acho bem pior passar uma noite conversando com idiotas e tomando Coca Zero achando que isso vai te fazer mais saudável. Com a vida que eu levo eu poderia estar morto, mas não estou. E digo mais: Faz anos que não fico doente e a única dor que sinto é da agulha riscando a carne quando vou me tatuar. Alguma coisa nesta teoria maluca de não poder fazer nada de "errado" é falha.

Mesmo assim, enquanto pensava nisso me veio à mente um dos momentos que mais me assombra. Eu já disse que já fui melhor do que sou hoje, contudo acredito estar errado. Da época em questão eu melhorei bem, depois de melhorar eu piorei um pouco. Sabem como é, ninguém consegue manter o ritmo. De fato eu conheci algumas bêbadas depois disso e algumas santas. Ou seria o contrário? Não me lembro. Então eu lembrei da ex-garota lavando meus cachorros. Com os cabelos presos deixando à mostra a tatuagem na nuca. Uma blusa de alça preta deixava eu ver também a tatuagem no braço e uma saia até os joelhos, nada muito sexy, mas nela, qualquer coisa ficava maravilhosamente sensual, sexual. Mesmo uma camiseta minha velha esquecida na casa dela. Ela roubava minhas roupas para poder dormir sentindo meu cheiro e isso fora talvez, a maior demonstração de amor que eu já tive em toda a minha vida.

Minha mente volta do passado e segue direto ao futuro quando as garotas já foram embora e meu saco transpira devido o calor e o suor mistura com a baba da noite anterior. Há cabelos grudados em meu peito. Os lençóis da cama foram parar em algum lugar que não consigo desvendar de primeira. A ressaca é de 23 alcoólatras. A boca com gosto de merda, a cabeça pesando como uma bigorna. A fumaça do primeiro cigarro arranha a garganta como um ouriço. Ainda tem o catarro seco que quase que me sufoca. Mais ressaca. Ressaca moral também, mas não de arrependimento e sim por fazer o tipo de merda que a maioria dos caras matariam para ter a oportunidade de estar em meu lugar e eu simplesmente não dar a mínima, pois é evidente para muitos que eu preferia estar no mesmo lugar com uma só garota que sequer precisa estar no mesmo continente que eu para me inspirar. E é só pensar nisso que minha mente volta como se estivesse pilotando um Delorean e me vejo deitado em meu quarto brincando com os seios dela. Displicentemente tocando-lhe o mamilo com os lábios, mordendo e me divertindo tanto que passaria horas e horas fazendo aquilo. Lambendo-lhe e beijando e mordendo e morrendo aos poucos com as lembranças. Morro cada vez um pouco mais sempre que me perco em meio ao passado. Sempre um pedaço de brasa que já fora chama se esvai. Ficam as cinzas que partem com o menor sinal de brisa até o dia que não sobrará mais nada o que lamentar. E se já não somos derrotados por deixarmos que nos digam a hora de levantar e deitar, comer e beber, nestas horas não sobram dúvidas. Quando se é derrotado em seu próprio campo de batalha não é difícil imaginar que perderá dali pra frente e seguirá perdendo até que o Destino enjoe de você e passará humilhar algum outro imbecil. É nesta hora que pensamos que a sorte está de bem conosco e voltamos a cair do cavalo, pois a esperança serve apenas para te fazer de otário por algumas horas e depois basta. Só que é como o álcool, basta um gole para atiçar seu lado viciado e quando percebe está bêbado e aprontando de novo.



Bento.

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