Na maior parte do tempo observo o quão deprimente as coisas
corriqueiras podem ser. Os elogios sem motivo, as amenidades, o convívio com as
outras pessoas. Vizinhos, colegas de trabalho, família e etc. É tudo um grande
teatro mal ensaiado de péssimos atores e é só isso. Relações de uma fragilidade
como ossos de galinha. Todos mantendo a pose da coxa de galinha assada até que
se quebra e pronto. Viram inimigos. Esses são nossos relacionamentos mais
comuns. Não quero que pensem que sou grande coisa porque não sou. Não sou, pois
não consigo fingir. Não sei acordar de manhã comemorando mais um dia de vida
medíocre, esperando que as coisas melhorem e desejando paz na Terra. Invejo
essas pessoas, de verdade. Não acho isso uma coisa boa, de forma nenhuma, mas
vamos combinar que a ignorância traz sim felicidade. Não tanto quanto o
dinheiro, mas quem não tem cão caça com gato. Digo isso para deixar claro que
não sou grande coisa. Não vou me fazer de vítima, porém sinto sinceramente que
não passo de um amontoado de palavras que já foram boas e nada mais. Além,
claro, de ser um beberrão convicto, que precisa de uma boa dose de algo
alcoólico e forte para poder levantar da cama e enfrentar o dia. Um sedentário
bosta que evita fazer qualquer coisa esperando que a inspiração venha no
intuito de escrever qualquer bobagem que me faça sentir algum prazer por
respirar.
Houve um tempo que eu fui a maior promessa da literatura de
minha geração. Hoje não passo de um ex-futuro-escritor. Tento escrever qualquer
coisa e não saio da primeira linha, e quando faço acho tudo uma porcaria.
Talvez, de tanto escrever fracassos tornei-me minha musa. Dou voltas e não saio
do lugar. Cinco anos escrevendo, até que fui longe. Mais longe que esperavam,
já eu esperava mais. Sou um escritor de livro nenhum. Tenho um romance
inacabado, outro que nem comecei a escrever e outro livro de contos que nunca
concluo. Como tudo na vida não concluo porra nenhuma. Dou voltas no mesmo lugar
como um peão de madeira de quando era criança. Um fracassado. Hoje não sou
metade do filósofo que já fui e em minha melhor fase não fui um décimo do poeta
que poderia ser. Talvez por preguiça, omissão, ou por perder tempo transando
com todas as garotas que cruzaram meu caminho. Preciso comprar um carro, um
computador novo, e uma televisão nova... E a maior emoção que tenho ultimamente
é acordar de pau duro devido a bexiga pressionar a próstata.
Vejo as pessoas estudando cada dia mais e me pergunto; para
quê? Não estou exigindo resposta, eu já as tenho. Cada dia mais e mais
informação é despejada por todos os veículos de comunicação e hoje todos são
comunicadores empenhados e continuo sem entender. Na prática, não se usa. Os
jovens chegarão somente ao ápice de sua ignorância. Os velhos regridem para
acompanhar os jovens na sua imbecilidade, pois é mais fácil render-se a ela que
superá-la.
Então, estou finalmente de férias, e sendo assim, tenho por
vinte dias a vida que gostaria de ter até o fim de meus dias. Não faltam
cervejas e cigarros, todos devidamente organizados ao alcance das mãos e para
que não falte numa madrugada qualquer. Gosto tanto de cervejas que poderia
economizar um bom dinheiro vendendo as latas como os carroceiros fazem, mas sou
orgulhoso demais para pensar nisso, e trabalho demais para ter de economizar
com latinhas recicladas. Pensei nisso outro dia e por capricho comprei
garrafas. Nesses dias mudei a marca da cerveja. Mudei, pois é bom mudar em
alguns momentos. Há muita resistência na mudança em qualquer pessoa. Apesar de
ouvirmos por aí que as pessoas odeiam rotina, toda mudança assusta como o uivo
do vento na janela numa noite solitária.
Por falar em mudanças, passei meus 30 dias de carma anual
sem maiores problemas. Terminei os últimos cinco numa viagem confortável e
aconchegante. Estava a garota do Bourbon e eu num quarto antigo sem televisão,
com moveis barulhentos e digo que poucas coisas são tão belas quanto ver uma
garota de lingerie passeando pelo cômodo fazendo suas coisas de garotas. Sequer
a imagem do mar em seu vai-e-vem de ondas e seu ronco contínuo é tão belo
quanto ver uma garota em sua rotina diária de cremes e esmaltes e elásticos de
cabelo e camiseta surrada passeando em frente aos meus olhos ajeitando a
calcinha, penteando os cílios, e essas coisas de garotas. Eu poderia ter
viajado, comprado minhas cervejas, fumado meus cigarros e sequer ter colocado
meus pés na areia e sentido a brisa fria do mar e o sol escaldante queimando
minha pele, pois poucas coisas são tão belas quanto acompanhar o vai-e-vem da
garota do Bourbon só de lingerie, com suas dobras, suas curvas, indo para lá e
para cá, dobrando coisas, arrumando outras coisas em seus lugares como quem
rege uma orquestra, como dona do mundo e do tempo. Passaria horas bebendo e
fumando e vendo o desfile desta garota fazendo exatamente nada, apenas exalando
sua feminilidade e destilando seu perfume de cremes, desodorantes e perfumes e
mais cremes e é tão delicioso que eu poderia comê-la, literalmente, comê-la.
Mordê-la e mastiga-la e engoli-la. Fatia-la e engoli-la, tamanha delicadeza de
seus passos, seus dedos ao tocar o chão gelado, quase como um gato, quase sem
tocar o chão. A rotina de vê-la ali passando de lá pra cá sabe-se lá fazendo o
que preenchendo o ambiente dela. Só dela. Todo o ambiente, todo o quarto, era
só ela. Eu não passava de mais um móvel usado e barulhento. A diferença é que
eu fumava, arrotava, peidava, bebia e às vezes transava. Digo às vezes, pois
percebi que a idade chega pra todo mundo e ter de acompanhar a libido de uma
garota de 21 anos não é tão mais fácil na minha idade, mas eu ainda não fico
devendo muita coisa.
Contudo, eu pensava assim até brigarmos. Afinal, para me ver
brigando com alguém basta deixar-me num quarto com qualquer ser humano durante
uma semana e sim, eu, inevitavelmente acharei motivos para brigar com esta
pessoa. Amigo ou inimigo. Não importa. Qualquer pessoa que fique tanto tempo
próximo de mim me causará problema. Bem, briguei. Arrumei motivos para discutir
e assim fiz. Caso contrário não seria eu. Depois que fiz passamos a noite sem
nos falar e dormimos sem nos tocar. Até o dia seguinte, ela amolecer meu
coração com o cheiro de café fresco, pois mesmo brava ainda assim levantou-se
mais cedo para preparar o café preto, só pra mim, por saber que meu humor é
muito pior sem o café preto de manhã. Uma santa esta garota. Pois bem. Mesmo um
velho ranzinza como eu não poderia ficar imune a este carinho. Mesmo assim, me
fiz de difícil na primeira hora após fumar o primeiro cigarro, após
levantar-me, tomar meu banho matinal, e ainda assim mantinha-me de cara
fechada, que era para ver que eu ainda estava bravo, só que não estava. Eu já
tinha sido conquistado pelo café. Mas homem tem destas coisas. De marcar
território, como cachorro de rua eu estava marcando o território. No sentido
figurado eu erguia minha perna para mijar na dela. Como somos pobres de
espírito, nós homens.
Preparávamos para irmos à praia quando ela consciente de
suas ações ou não, já indecentemente penetrada naquele biquíni, pediu sabedora
ou não, para que eu passasse protetor nas suas costas. A partir daí, velho,
ranzinza, macho alfa, tornei-me escravo de minha libido e fizemos o melhor sexo
de conciliação da história. Com tapas e unhadas a ponto de descontarmos toda a
raiva adquirida na noite anterior. E digo; o melhor sexo de conciliação da
história, de todos os tempos. Afinal, algumas coisas, feitas com raiva, nem
sempre causam arrependimento.
Agora estou aqui. Escrevendo, nem tão fracassado assim. Com
essa jovem garota nua adormecida em minha cama, enquanto eu bebo meu whisky,
fumo meu cigarro e escrevo escondido no banheiro para não acorda-la.
Bento.
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