quarta-feira, 9 de abril de 2014

SUAS TRANSAS SEM GRAÇA, SUAS ESPOSAS GORDAS E SEUS FILHOS IGNORANTES

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Nada como uma boa quantidade de cerveja para ajudar esquecer a semana cansativa de trabalho. Curioso como depois de algum tempo não trabalhamos mais pelo salário e sim pelo fim de semana. Uma semana toda para ter dois dias de descanso. Sorte a nossa. Ainda há aqueles que têm apenas um dia para lamentar-se da vida de merda que levam. Quando você vir um indivíduo dizendo que a vida é maravilhosa e prazerosa saiba que este não trabalha, caso contrário ele seria tão amargo quanto a maioria. Com exceção de um amigo meu, que não tinha nada para reclamar, pelo menos era o que ele dizia e eu acreditava.

Estávamos bebendo num boteco não muito longe do trabalho. No bairro da Saúde e por causa do bairro eu sempre bebia olhando para os lados numa esperança falida de encontrar o que eu procurava incessantemente. Logo eu estava sentado de frente para a rua e Roque estava de frente pra mim do outro lado da mesa dobrável de madeira. Pedimos um casco e dois copos e quando o garçom, que acumulava as funções de caixa, cozinheiro e dono do boteco nos serviu e voltou para dentro do bar, nós brindamos e desejamos-nos sucesso. Bebemos um longo trago e estávamos muito satisfeitos por ter aquele momento de prazer.

- E então, como você está? Ele me perguntou.

- Como sempre, Roque, procurando não me desentender comigo mesmo. Você me conhece.

Roque sorriu e bebeu mais um longo gole de sua cerveja - Você precisa ir num show nosso, estamos tocando como nunca e agora estão nos pagando.

Brindamos a isso e bebemos mais um trago.
Roque tinha uma banda de rock, desses modernos que faziam barulhos com picapes e ele sabia que eu só ia aos shows por causa dele, eu odiava esse tipo de estilo. Sempre fui dos clássicos, nada que eu ouvia tinha menos que vinte ou trinta anos, no mínimo.

- É, talvez eu precise. Respondi.

Tirei um pequeno saco de fumo do bolso e comecei a enrolar um cigarro enquanto ele me contava sobre a banda e os lugares estranhos dos quais eles faziam shows. Contou sobre as casas que lhes pagavam com garrafas de whisky e os porres que eles tomavam por causa disso. Gostei da conversa. Sempre gostara de histórias de bêbados e ferrados, me identificava com eles.

O boteco ficava numa rua com escritórios e residências, na maioria casas de casais velhos com netos adolescentes e de vez em quando interrompíamos a conversa para olharmos uma ou outra garota que passava em frente nossa mesa. Estávamos na calçada, que de tão estreita, quase dividíamos nosso drink com os carros indo em direção ao centro atrás de uma boa noitada. Era uma bela noite de sexta-feira.

- Mas me diz, saindo daqui você vai pra onde? Ele me perguntou.

- Provavelmente para casa, tenho um monte de livros para ler e algumas garrafas para enxugar. Respondi.

- E nenhuma garota?

- Não hoje.

- Que estranho, está doente?

- Na verdade, estou sem inspiração. Preciso escrever.

- Por falar nisso, como está o livro?

Roque falava do livro de contos que eu estava escrevendo fazia alguns anos. Nunca conseguia terminá-lo porque nunca parava de escrever e sempre achava que deveria substituir um conto pelo o outro melhor, porém, estava sem inspiração e não conseguia terminar também por isso.

- O livro está ficando pronto. Menti, mas foi daquelas mentiras sem malícia. Talvez nunca terminasse aquele livro, ou talvez fosse um sucesso. Quem poderia saber?

- Legal, quero ler.

- Eu também. Eu disse.

- Pede outra cerveja que vou ao banheiro.

Chamei o garçom-caixa-cozinheiro e pedi mais uma cerveja. Completei os dois copos e fiquei olhando as pessoas nos carros indo para casa ou para os bares depois de uma semana toda estresse. Quantos daqueles caras tinham a vida pior do que planejara quando mais jovem? Quem se imagina comendo marmita, num calor dos infernos dentro de ternos baratos, tendo que limpar a bunda de empresários cuzões caso eles peçam? Ninguém sonha com isso, mas as pessoas simplesmente se contentam, com suas vidinhas, suas transas sem graça, com suas esposas gordas, seus filhos ignorantes que repetirão todos os erros de seus pais.
Isso me fez pensar na minha vida, em como me imaginava aos 26 anos que tenho hoje, casado com uma garota que hoje está casada com outro cara, que tem suas transas sem graça com outro cara e eu estou no bar bebendo com um grande amigo depois de uma semana dura de trabalho para um empresário cuzão enquanto meu livro não fica pronto. Fui interrompido por Roque voltando do banheiro e sentando à mesa.

- Sabe o que eu lembrei, cara? Ele me perguntou já sabendo que eu não tinha a mínima ideia. Então continuou sem esperar resposta - Daquele dia que colocamos aqueles ladrões para correr.

- Hahaha quase morremos aquele dia. Eu comentei.

Ele também sorriu e brindamos.
Roque era um sujeito baixo e magro, mas seus braços cobertos de tatuagens e sua barba há meses por fazer lhe davam uma imagem de cara mau. Eu não era muito mais forte que ele, apenas mais alto e mesmo assim colocamos alguns assaltantes para correr. Estávamos mais bêbados que um porco e mesmo assim evitamos o assalto.

- Já fomos mais valentes. Eu disse a ele.

- Ainda somos, só não temos a oportunidade de mostrar. Eu ainda aguento uma boa briga, mas você sabe, agora com mulher, todo sujeito fica mais tranquilo.

Assenti com a cabeça.
Roque tinha arrumado uma garota e estava muito bem. Podia dizer até que ele engordou um pouco. Estava feliz, seus olhos diziam isso.

- E você, não tem escrito nada? Perguntei.

Roque tinha uma boa mão para escrever. Era um solitário e estava começando nesse ramo da escrita. Mas em suma seus textos eram tristes e desesperados. Roque sempre fora um romântico, um romântico sem musa e neste caso, qualquer linha sairá desesperada. Mas mesmo assim ainda eram bons textos. E sua resposta não me surpreendeu quando ele justificou-se por não escrever mais.

- Não escrevi mais uma linha sequer, não estou mais triste, não preciso mais escrever.

Aquilo me fez pensar. Fiquei um pouco assustado, confesso. Quase que mandando a felicidade ir se foder, afinal, o que eu fazia de melhor era escrever, se isso me deixasse o que eu faria? Abriria um bar e seria um garçom-caixa-dono-cozinheiro? Eu já tinha trabalhado em um bar antes e posso garantir, odiei a ideia de servir cerveja aos outros. Eu me sentia bem melhor do lado do balcão que esvaziava os copos e não do lado que os enchia. Seria um peixe fora d'água, me transformaria naquilo que eu mais detestava; homens sem rumo, ocos, débil e bosta. Eu não era um cara como esses, eu jamais seria aquele que vai à casa dos sogros arrumar o telhado com goteiras, jamais seria esses caras que segura o palavrão na garganta quando ganha uma rodada nas cartas. Nunca vou a batismos e esse tipo de coisa. Pensando nisso eu me acalmei um pouco. Roque poderia ser este cara, ele até ansiava por isso, éramos diferentes e por isso eu me acalmei um pouco. Mesmo assim, disse: - Quer saber? Foda-se, jamais pararei de escrever.

Roque sorriu com sincera alegria - Claro que não vai, cara. Seria um desperdício enorme. Você tem talento. E você não é do tipo de cara que leva uma mina para morar junto de você.

Mas eu já tinha sido esse tipo de cara, só não tinha achado a garota certa, afinal, não levaria qualquer escrota para morar debaixo do mesmo teto que eu, alguém poderia sair morto disto. De qualquer forma, não quis perder tempo explicando.

- Não puxe meu saco porque não vou pagar a conta sozinho. Eu preferi dizer e rimos assim que terminei de falar.

- Isso me fez lembrar uma coisa. Já te falei que minha ex namorada casou?

- Falou... Ele respondeu e eu continuei - Então, esses dias encontrei com ela e o cara.

Roque fez o sinal da cruz em frente o rosto como quem estivesse em frente a um padre - E como foi? Ele perguntou com ansiedade na voz esperando um fato maior do que realmente fora.

- Bem, continuei fumando meu cigarro e peguei o ônibus.

- Vocês não se falaram?

Essa pergunta foi inútil, ele já sabia da resposta.

- Claro que falamos, ela me apresentou o atual e combinamos um ménage. Ironizei.

- Porra! Ela provavelmente fingiu que não te viu, não é?

- Era o que ela tinha que fazer.

- Você é o cara mais filho da puta que conheço e essa garota é a única que eu já vi você defender.

- Eu não defendo ninguém, eu simplesmente tento não me importar. Porque simplesmente vai acabar com o meu dia, então eu tento me afastar desses pensamentos.

- E dá certo? Ele me perguntou.

- Claro que não, caso desse eu seria um cara bem mais tragável.

- E como ela está?

Desta vez eu dei um sorriso antes de responder. Era um sorriso tímido, que parecia de prazer, porém também parecia desapontado.
 - LINDA! Eu respondi com ênfase e Roque me olhou como quem olha um mendigo pedindo comida em frente um restaurante. Como um cachorro em frente o frango no rolete, ou alguém que está prestes a morrer e deseja a vida. Mas eu não estava preste a morrer, longe disso. Pelo tanto que eu bebia eu estava com uma saúde de ferro. Ninguém poderia negar isto. No entanto, os felizes sempre têm um olhar de desdém aos não tão felizes assim e ele vira, naquele momento que talvez ele tivesse descoberto a fonte de meu talento para a escrita. A musa. Tudo está atrelado à musa. Ele soube que tudo o que eu era, até aquele momento, era obra de alguma coisa muito tensa e que só uma coisa tão forte poderia ter causado tanto estrago. E acho que ele percebeu, talvez não, mas eu acho. Então ele desviou o olhar, pois não é fácil encarar alguém assim, e tentou mudar de assunto.

- Nós já fomos mais valentes, como você disse.

E eu assenti calado.




Bento.  

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