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Hoje é dia de
Corinthians e estamos todos no bar, é claro.
Todos devidamente
uniformizados e com cervejas nas mãos, menos eu. Eu tomo Dreher, afinal, além
da "dureza", é a forma mais fácil de ficar "simpático"
gastando pouco.
Ao meu lado -- não ao
lado exatamente, mas em meu campo de visão -- existe uma estudante de
jornalismo inteligentissima e linda de uma forma pré-colegial. Aquela que
lembra professoras do jardim de infância, mas agora eu tenho libido de adulto,
uma combinação quase explosiva.
Então temos a
estudante com uma sensualidade de mulher e um rosto de menina conversando com
um qualquer. Logo estamos dividindo a atenção dos lances perigosos na área do
meu time em pleno jogo de libertadores com o (tomara que não) casal
conversando.
Falando do jogo, está
chato. Truncado no meio de campo o time adversário ataca mais. São as faltas
que fazem o jogo travar no zero a zero, bem como o casal que eu observo. Eu
gosto do placar do casal, do jogo, eu quero mais é ver gol do Timão.
Por falar em zero a zero,
observo sem ouvir a conversa do casal por causa dos corintianos no bar pulando
e cantando os hinos da torcida como no estádio.
Eu não pulo para não
derrubar o Dreher e porque acho que em bar não se pula, sim no estádio, mas não
no bar.
Quero beber, ver o
Corinthians ganhar e a lindíssima estudante, agora já bêbada, sair ao menos,
sozinha.
Eu levo um terço no
pescoço, não que seja religioso ou devoto, eu diria que é mais estética, porém
nada impede de apelar para Deus quando o jogador do time adversário está de
frente ao nosso gol. Não apelo pelo casal, pois não acredito que haja
intervenção neste caso.
Meus olhos seguem lá e
cá e penso que poderia prestar mais atenção no jogo, afinal dependemos da
vitória hoje, para seguir em frente no campeonato. Só que a garota me encanta
de tal maneira que dependerei da situação entre a estudante e o desconhecido
para terminar a minha noite bem.
O juiz causa discórdia
no jogo apitando mais faltas para o outro time, mas pode ser só a visão de
torcedor. Claro que a essa altura do jogo, o empate jogando fora de casa, não é
de todo ruim. Meu time entende isso e passa a jogar na defesa, bem como a
estudante que se afasta do periculoso e eu me animo.
A torcida adversária
passa a jogar copos de mijo em nossos jogadores ao cobrar escanteios e meu
sangue começa a subir, da mesma forma meu ódio ao ver a linda universitária
começar a colocar os cabelos atrás da orelha e arrumar a bolsa em seu ombro,
inquieta, sinal clássico de que o indivíduo estava obtendo sucesso em sua
empreitada. Algumas mulheres dão sinais, que o homem que se preze tem de saber
identificar.
Bom para o autor que o
menino não soube aproveitar da embriaguez e gestos da garota e excelente que o
zagueiro do meu time tirou uma bola praticamente em cima da linha. Logo, eu
fiquei dividido entre a TV, a garota, as pernas da garota, o Dreher e o
cigarro. Nessa soma, agora o jogo tinha mais de minha audiência para que
passasse despercebido na observação do casal.
O cronometro corre sem
parar, quem não corre é a bola, que não chega ao ataque para que possamos abrir
o placar. O Dreher tomando conta de minhas veias e o casal tomando minha
atenção, afinal a garota das pernas maravilhosas voltara a colocar os cabelos
atrás das orelhas, sorrir, mexer na bolsa e se aproximar do maldito que também
era estudante.
Os torcedores
continuavam a gritar e pular ao meu lado, até que acontece uma falta perto de
nossa área, muito perto. Apreensivo eu já estava, pois a garota estava preste a
se despedir da ameba ambulante que passou conversando durante todo o jogo. Se
fosse, seria agora, na despedida, que aconteceria o beijo que faria eu, no
mínimo, querer ficar muito bêbado e desanimar.
A barreira estava
feita, os jogadores se empurravam e andavam para frente disfarçadamente no
intuito de diminuir o espaço e visão do batedor. Eu disfarçadamente cruzada os
dedos para que a garota fosse embora sozinha e sem beijo.
O juiz tomava
distância pronto para apitar e permitir a cobrança, os torcedores do estádio e
do bar roendo as unhas. Um silêncio tão devastador que quase consigo ouvir o
que o casal conversava, quase, mesmo assim não era possível.
O juiz apita, o
cobrador não vai imediatamente para a bola. Faz drama. O mesmo drama que a
garota faz para se despedir. O cobrador já está a dois passos da bola e o casal
tem agora, suas bocas tão próximas que sentiam o hálito um do outro. O camisa
11 bateu na bola com jeito e ela viaja sem pressa em direção ao gol. Meu
goleiro dá passos largos para o lado como um caranguejo e mantém seus olhos
esbugalhados. A mão do cretino está no pescoço bem abaixo das orelhas da
estudante. Queria eu, ser vesgo neste momento para poder olhar para os dois
lances. Um olho no peixe e outro no gato. A bola ia em direção ao gol e o
goleiro tentava acompanhá-la. As bocas se aproximaram e já faltavam poucos
centímetros para que até seus cílios se tocassem.
Em onde eu fixaria os
olhos eu não sabia. Na bola ou nas bocas? O goleiro pulou e passou despercebido
pela gorducha seguindo seu caminho em paz até a rede. Nada poderia lhe impedir,
nada a abalava. Os zagueiros já não se mexiam dentro da área. O cobrador
inconscientemente já se dirigia a sua torcida para comemorar o gol da
classificação que parecia inevitável. Eu já me preparava para o beijo
inevitável. A bola foi. NA TRAVE! E caprichosamente saiu de campo por cima do
travessão. A boca do garoto seguiu em direção a linda e deliciosa boca da
garota e numa esquiva típica de mulher difícil encontrou apenas sua face
esquerda.
Todos pularam e
comemoraram como se fosse um gol do nosso time, a bola para fora, é claro. Até eu
pulava e o Dreher foi pelos ares e serviu aos santos. Mas eu. Eu comemorava a
solidão da garota a caminho de casa.
E o jogo? Ora, quem
liga para o jogo?
Bento.