Apesar de dizer que estou evitando bares e botecos, não
quero que tenham a falsa impressão de que abandonei-os às traças, claro que
não. Apenas evito como evitamos assaltos, porém, mesmo assim acaba acontecendo.
Então, por esses dias estava no bar com um amigo meu e
falávamos sobre as mazelas da vida, a falta de dinheiro justamente por pagarmos
contas altíssimas de bares e ele de puteiros. Falávamos sobre porres e mais
porres e transas engraçadíssimas e outras nem tanto. Éramos ele, eu e os
mendigos pedindo cigarros e doses de 51 para todos no bar.
Curioso é que bares não fazem parte da mesma dimensão que
nós quando estamos trabalhando, por exemplo. Quando no bar tudo à sua volta
passa mais devagar, exceto o tempo. O tempo é de uma pressa sem tamanho e ainda
estávamos na terceira cerveja, ou na sexta, ou na décima segunda, não sei ao
certo, só sei que já era hora de ir embora. Mas antes da partida, enquanto
bebíamos e fumávamos com a certeza de que as coisas estão sempre em eterna
mudança, num assunto de outrora, o amigo resolveu me elogiar já sabendo que eu
não me pronunciaria, pois concordava com tudo.
Chamou-me de chato, arrogante, difícil e ainda se igualou às
minhas características. Era hora de partir e na despedida eu me peguei pensando
o quão transparente eu sou, mas não para todos. Algumas pessoas simplesmente
não conseguem compreender exatamente o que minhas palavras querem dizer e eu
não posso fazer nada por elas. O que eu posso fazer? Está lá, para quem quiser
saber, guardei a libido do mistério para outras coisas. Onde eu quero chegar
com isso é simples. A maioria dos homens você sequer consegue falar mal tamanha
a falta de solides, de identidade, originalidade. Não se sabe quem defende, que
histórias mantém, que time torce, nem nada. É um imenso poço de água com açúcar
sem distinção. Não confundiremos isso com transparência, é só um vasilhame
turvo e sem cor, sem ideal, sem ideal. Poucos deles sabem o verdadeiro
significado de ideal, eles não se importam, é difícil se interessar por uma
coisa que sequer sabe que existe e mesmo quando temos conhecimento de sua
existência é complicado se preocupar.
Mas não pensem que é fácil ser transparente. Está longe de
ser fácil andar por aí com um rótulo que cobre todo o seu corpo entregando-lhe
toda sua sensatez, sua famigerada noção de certo e errado e de bom senso e
preocupações peculiares. Complica quando se é tratado com certo receio como se
fosse de outra espécie, um gringo em seu habitat natural. Mesmo nas mesas dos
bares o idioma é outro, as conversas não batem e pessoas como nós podem falar
sobre qualquer coisa, porém grande parte das coisas são chatas pra cacete. E
ninguém quer alguém suficientemente inteligente para perceber quando está sendo
enganada. Ninguém quer alguém suficientemente esperto para enganá-los, é muita
ameaça para eles. Ninguém quer alguém inteligente suficiente para fazê-los
se afogarem em suas contradições medíocres. Não é fácil quando damos choques em
seus cérebros a ponto de fazê-los entrar em pane. Pensar não é um exercício
costumeiro para eles. Já falei que somos ameaça?
É curiosos para esse tipo de
gente se deparar com alguém que consegue pensar por conta própria, que não
precisa repetir incansavelmente bordões destros ou canhotos, que não precisam
virar papagaios de pirata para se sentir intelectualizado. Fazemos parte de uma
prole em extinção de pensadores independentes de chavões e modismos dos
peidorreiros nas tangas.
É complicado apresentar para família ou amigos um indivíduo
que não vende a alma ao preço da socialização. Que tem o bom-mocismo como uma
canalhice sem precedente e utopia que só serve de credo para imbecis. E é por
isso que não os julgo, nem os indefesos cuzões sem solides e nem mesmo os que
se alimentam da imbecilidade alheia.
Bento.