De tempos pra cá tenho percebido mais que nunca que a idade
inevitavelmente chega para todo mundo e eu não sou um privilegiado. A cada
ressaca nova vejo os anos escorrerem entre meus dedos sem que eu possa fazer
muita coisa para mantê-los como estão hoje. O corpo acusa e a recuperação é
mais lenta. Ele quer me impor limites que eu nunca tive e com certeza não os
tomarei pra mim a essa altura do campeonato.
Eu escrevo isso enquanto observo Roxanne caminhando pelo
banheiro com suas pernas finas e seu andar elegante. Roxanne é minha aranha de
estimação que vive no meu banheiro e fez de um buraco rente ao teto sua
moradia, religiosamente ela sai de lá para me dar bom dia. Eu respeito o espaço
dela e ela o meu.
Eu sou das antigas, com o passar dos anos passei a cultivar
a barba para assumir a idade ao invés de escondê-la como todos fazem. É mais
uma forma de expurgar as garotas de 18 anos e não é porque meu corpo está
ficando velho, mas sim porque minha mente está velha faz tempo. Sou desses
caras que vê mais romantismo na garota espremendo cravos nas costas do namorado
que qualquer clichê exibicionista que se vê nas redes sociais por aí.
Por isso venho com meu saudosismo de velho para dizer que
nem mesmo a ressaca se faz como antigamente. Eu não sei o que fazem os velhos
da minha geração, mas eu tenho feito o mesmo que fazia há dez anos, com raras
exceções e só o que mudou foi mesmo a demora de meu corpo em recuperar-se das
bebedeiras, alguns cabelos brancos e por aí vai.
Uma garota leu meu último conto e fez uma declaração um
tanto quanto dramática levando-se em conta que era apenas um conto. Porém eu
sempre mastigo as coisas devagar para refletir sobre e talvez ela esteja certa,
talvez meus olhos estejam ofuscados pelo hábito, o hábito da amabilidade com o
singular, a coexistência com o sofrimento, a empatia com o flagelo. No entanto
isso pode ser só sintomas de minha veia poética e caso seja isso, a garota
estaria errada e foi só uma declaração um tanto quanto dramática. Porém, quem
sou eu para falar de dramaticidade?
Sabe, eu sigo uma cartilha, apesar de algumas pessoas
acharem que eu levo a vida sem lei ou regras eu sigo uma cartilha, coisas que
eu penso como certo ou errado e esse tipo de coisa. Sigo conceitos e rituais,
não passo sem o café e cigarros e são as primeiras coisas que eu faço ao
acordar. Durante muito tempo eu fiquei sem pisar em riscas nas calçadas mas
parei de repente. Tenho um pouco de superstição por isso sempre tenho um maço
de cigarros extra e uma garrafa de algo forte, pois nunca sei quando a
inspiração me tomará horas de cigarros e tragos numa quantidade incrível.
Esses dias tive uma crise de vômito ao ponto de
desidratar-me. Coisa da idade. Há cinco anos atrás meu corpo não desperdiçava
uma gota sequer de álcool.
Entre um vômito e outro alguém comentou: - Também, você bebe
como se o mundo fosse acabar.
- Mas vai que acaba.
Respondi.
Quando a idade chega ela vem com um convite para a morte.
Não estou dizendo que estou tão velho a ponto de morrer, porém uma hora todos
morrem e eu não sou um privilegiado. Também não me apetece essa história de
vida eterna e paraíso, isso só serve para postergar toda a diversão. Não se
deixa para gozar - supostamente - pela
eternidade quando se pode gozar muito agora. Vamos lá, acredito que estejam
entendendo meu raciocínio.
Uma das minhas qualidade é fazer festas que se arrastam por
dias e já adianto, essas festas não são frequentadas por nenhum idiota que
acredita nessa promessa de Gozolândia eterna, portanto todo mundo nessas festas
procura sair satisfeito e geralmente saem. Essas festas geralmente acontecem
nos meus melhores dias porque nos piores a última coisa que eu quero é um monte
de gente perto de mim com a libido a flor da pele, bêbadas, tomando da minha
cerveja e assustando minha gata para o telhado. Não se pode fazer festa o tempo
todo simplesmente porque não se faz festa o tempo todo. Já falei muito aqui
sobre as qualidades de uma boa solidão esvaziando garrafas.
Desses meu amigos, não há nenhum que não tenha pelo menos
uma história de loucuras e apuros para contar da qual eu não estivesse
envolvido e isso me leva a pensar no que minha mãe dizia quando eu era jovem:
não se misture com má influência. Nesta época ela ainda não sabia que a má
influência era eu. Então volto a dizer que se você busca a esporrada divina
trate de não se aproximar, mas caso queira viver libidinosamente aperte os
cintos, pois vou te apresentar algumas coisas e algumas pessoas.
Na festa mais recente que fiz um cara entrou no quarto com
uma garota e ele saiu de lá duas horas depois como se houvesse apanhado de um
peso pesado, com marcas roxas e arranhões. E esta garota só tinha quinze anos.
Realmente o ambiente, as músicas e as companhias ajudam a aflorar o pior lado
das pessoas, pior lado, claro, na opinião de vocês, pois na minha este é sempre
o melhor lado.
Acredito que o melhor lado de qualquer pessoa é justamente
aquele que a maioria das pessoas não aprovam. Já reparou como as coisas que são
unanimidade geralmente são uma merda? Nelson Rodrigues já dizia isso há
trocentos anos e isso nunca deixará de ser verdade.
Alguns amigos, até estes das festas, bem, estes amigos
acham-me inquebrável, inviolável. Algumas garotas acham que eu sou
intransponível e inacessível, mas digo que isso não passa de incompetência,
talvez delas, talvez minha. Eu também já tive meu tempo de lamentar-me, só que
já passou. Eu simplesmente desvio o olhar. E tudo que vejo é sempre sem muito
apetite, pois nada é duradouro. Também sei que minha forma de pensar afasta
mais gente do que aproxima. Eu poderia mudar isso, ou posso pensar que isto é
apenas um filtro, ou não pensar muito nisso. As coisas são sempre como devem
ser.
Bento.