Quem estivesse de fora da brincadeira e olhasse em volta
provavelmente acharia que o quarto tinha sido cenário de guerra. Uma garrafa de
Jack tombada em cima da cômoda e outra recém aberta ao lado. Bitucas espalhadas
pelo chão bem como latas e mais latas de cerveja. Embalagens de camisinha
pareciam confetes em noite de carnaval, mas estávamos no natal. A noite também
não era de Tarantino, era mais que isso. Aquilo não foi cenário de guerra, fora
uma festa improvisada de bebedeira e sexo. Um religioso diria que arderíamos
eternamente no inferno. Deus olhara para o outro lado tamanha libido. Já
imagino os demônios assistindo de camarote e dançando ao som de Matanza no volume mais alto. E pecávamos
ao ritmo da bateria de Interceptor V6.
Eu estava lá, mas não estava lá. Até meu pênis tava dividido
entre sim e não. Meia vida, ele continuava a trabalhar por hábito, talvez. Bem,
cada um tem o que merece e alguém decidiu que eu não mereço muito mais que
aquilo, logo não se deve reclamar de suas conquistas. Instantaneamente sai de
lá para outro lugar...
***
Outro quarto, sete anos atrás, quem se encarregava da trilha
sonora era o vinil do Deep Purple
repetindo o mesmo lado, incansavelmente. A bebida era Dreher, afinal, cervejas
era um luxo que não tínhamos naquela época. Mas a garota... a garota abaixo de
mim era a mais linda de todos os tempos. O quarto tinha o mesmo cheiro de sexo,
porém os demônios não sorriam desta vez. Não sorriam porque eu estava feliz. Em
todo o mundo, no decorrer da história, ninguém foi tão feliz quanto eu naquele
fatídico momento em que transava com a garota dos meus sonhos e não sei se por
felicidade ou por estar bêbado como um porco eu dormi. Dormi em cima da garota
mais sensacional que já conheci.
***
Volto a mente para o quarto atual e enquanto sou chupado e a
música agora é Escárnio, olho para
minha cama e vejo um amigo mandando ver na garota que outra noite estava
montada em cima de mim com uma libido de tirar os móveis do lugar.
Eu acredito que não sou das melhores pessoas, se tem opção
afaste-se, não serei eu quem lhe trará conforto. Não sou dos melhores amigos.
Mas certos caras, daqueles que estão comigo desde os primórdios levam sempre
alguma história pra contar onde eu faço parte, como personagem principal ou
coadjuvante digno de um Oscar. Cedi a transa e a cama para o amigo. Cedi porque
tenho dessas às vezes. Por um pequenino momento torno-me bom. Entenda: Eu, bom.
É mais ou menos tão raro quanto achar um filme bom na TV aberta quando se está
sem dinheiro num fim de semana em casa. Uma coisa rara. Mas se ficar por perto
tempo suficiente vai se deparar com esses bons momentos.
Algumas pessoas dizem que o meu quarto, ou qualquer lugar
que eu esteja, é sempre o pior lugar para se estar quando quer andar na linha.
Bem como Jimmy diz em Amigo Nenhum ou
Tombstone City, depende de como
terminará sua noite. Eu nunca obrigo ninguém a nada, mas dizem que eu desperto
sempre o pior lado das pessoas. Isso pode ser um dom ou uma maldição, porém eu
não acredito no que dizem. As pessoas fazem exatamente o que querem fazer e
quando podem colocar a culpa em alguém pelas merdas todas elas fazem. A ressaca
moral fica mais fácil. Ter as mãos tremendo e o estômago colado nas costas no
dia seguinte fica mais fácil de justificar quando se esta na companhia de um
culpado como eu. Não quero com isso dizer que sou inocente, mas afirmo, ninguém
é.
Quando eu digo que tenho cara de culpado eu quero dizer que
a maioria das pessoas tem uma visão de mim que não necessariamente seja a
correta. Eu, por exemplo, bebo muito menos que as pessoas acham que eu bebo.
Mas também não significa que eu beba pouco. Eu bebo mais do que muita gente diz
que bebe. Se parecer irrelevante ou sem sentido para você leia de novo. Pode
ser só falta de atenção.
Ok, já leu. Viu? Da segunda vez sempre faz mais sentido.
Uma vez minha ex-garota perguntou se eu ainda bebia como
antes. Eu me apressei em dizer que não, pois estou dizendo a verdade. Com
"antes" ela queria dizer na época em que estávamos juntos e digo sem
medo de errar que eu não bebo como antes pois hoje bebo para algo maior. Para
dar a extrema unção à alma. Bebo para relaxar a mente e os músculos. Bebo atrás
de inspiração. Antes eu só bebia e pronto. Entende a diferença?
De qualquer forma neste momento, onde tudo isso se passava
em minha mente eu era chupado enquanto via um amigo mandando ver numa garota
dez anos mais jovem que ele e estávamos todos numa boa. As cervejas tinham
acabado e mamávamos uma garrafa de Jack Daniels. Era uma noite do terror para
quem ama terror. Era o pecado tomando forma e se tornando adulto. Claro, que
com toda minha contribuição eu deveria ter uma esquina com meu nome em algum
quarteirão do Inferno. Senão uma esquina uma encruzilhada. Pelos serviços
prestados. Porra. No mínimo uma foto de funcionário do mês. Mas não de
propósito. Falo isso segundo as crenças de merda dos religiosos de bosta. Pode
ser que estejam todos errados e que não existe nada mais além de nós, seres
humanos medíocres que servem de adubo para plantas.
Whisky, cigarros. Matanza acabava de tocar Rio de Whisky e fazíamos sexo no ritmo
da música. E o Jack suavizando a garganta, preparando o caminho para o
cachimbo. Algumas pessoas acham que essa coisa de beber e fumar e fazer merda é
ruim. Na verdade não é mesmo. Eu por exemplo, acho bem pior passar uma noite
conversando com idiotas e tomando Coca Zero achando que isso vai te fazer mais
saudável. Com a vida que eu levo eu poderia estar morto, mas não estou. E digo
mais: Faz anos que não fico doente e a única dor que sinto é da agulha riscando
a carne quando vou me tatuar. Alguma coisa nesta teoria maluca de não poder
fazer nada de "errado" é falha.
Mesmo assim, enquanto pensava nisso me veio à mente um dos
momentos que mais me assombra. Eu já disse que já fui melhor do que sou hoje,
contudo acredito estar errado. Da época em questão eu melhorei bem, depois de
melhorar eu piorei um pouco. Sabem como é, ninguém consegue manter o ritmo. De
fato eu conheci algumas bêbadas depois disso e algumas santas. Ou seria o contrário?
Não me lembro. Então eu lembrei da ex-garota lavando meus cachorros. Com os
cabelos presos deixando à mostra a tatuagem na nuca. Uma blusa de alça preta
deixava eu ver também a tatuagem no braço e uma saia até os joelhos, nada muito
sexy, mas nela, qualquer coisa ficava maravilhosamente sensual, sexual. Mesmo
uma camiseta minha velha esquecida na casa dela. Ela roubava minhas roupas para
poder dormir sentindo meu cheiro e isso fora talvez, a maior demonstração de
amor que eu já tive em toda a minha vida.
Minha mente volta do passado e segue direto ao futuro quando
as garotas já foram embora e meu saco transpira devido o calor e o suor mistura
com a baba da noite anterior. Há cabelos grudados em meu peito. Os lençóis da
cama foram parar em algum lugar que não consigo desvendar de primeira. A
ressaca é de 23 alcoólatras. A boca com gosto de merda, a cabeça pesando como
uma bigorna. A fumaça do primeiro cigarro arranha a garganta como um ouriço.
Ainda tem o catarro seco que quase que me sufoca. Mais ressaca. Ressaca moral
também, mas não de arrependimento e sim por fazer o tipo de merda que a maioria
dos caras matariam para ter a oportunidade de estar em meu lugar e eu
simplesmente não dar a mínima, pois é evidente para muitos que eu preferia
estar no mesmo lugar com uma só garota que sequer precisa estar no mesmo
continente que eu para me inspirar. E é só pensar nisso que minha mente volta
como se estivesse pilotando um Delorean
e me vejo deitado em meu quarto brincando com os seios dela. Displicentemente
tocando-lhe o mamilo com os lábios, mordendo e me divertindo tanto que passaria
horas e horas fazendo aquilo. Lambendo-lhe e beijando e mordendo e morrendo aos
poucos com as lembranças. Morro cada vez um pouco mais sempre que me perco em
meio ao passado. Sempre um pedaço de brasa que já fora chama se esvai. Ficam as
cinzas que partem com o menor sinal de brisa até o dia que não sobrará mais
nada o que lamentar. E se já não somos derrotados por deixarmos que nos digam a
hora de levantar e deitar, comer e beber, nestas horas não sobram dúvidas.
Quando se é derrotado em seu próprio campo de batalha não é difícil imaginar
que perderá dali pra frente e seguirá perdendo até que o Destino enjoe de você
e passará humilhar algum outro imbecil. É nesta hora que pensamos que a sorte
está de bem conosco e voltamos a cair do cavalo, pois a esperança serve apenas
para te fazer de otário por algumas horas e depois basta. Só que é como o
álcool, basta um gole para atiçar seu lado viciado e quando percebe está bêbado
e aprontando de novo.
Bento.