-
Uma vez minha esposa me disse: — você nunca perdeu alguém
próximo, então não sabe como é. Naquele momento eu fiquei ofendidíssimo. “Como
assim ela está dizendo que eu não sei como é sentir”? Que absurdo. No alto dos
meus 30 anos na época, escritor, marginal, sofredor de carteirinha e vem essa
“zinha” me dizer que eu não sei sofrer? Pensei.
Não me entendam mal, ok?! Amo minha esposa e estamos casados
há 8 anos. Pedagoga, artista, mulher incrível que nasceu num ambiente de
pobreza, machismo, crime até, e se tornou uma mulher em seu melhor e maior
sentido da palavra. Dito isso, com sua inteligência eu duvido que ela não tenha
ouvido o ranger dos meus dentes ao presenciar aquela sentença. “você nunca sofreu
um luto”.
Após 15 segundos de azia, tentando segurar a ânsia de
despejar toda minha raiva pela boca eu refleti e ela tinha um ponto. Eu sou
filho sem pai e ela, óbvio, sabe disso. Sequer o nome no RG eu tenho e dei
muitas explicações sobre isso durante a vida. Minha mãe está conosco até hoje e
entre altos e baixos, ela é minha mãe. Incrível, insuportável, mas minha mãe.
Nunca conheci um avô sequer. Nem por parte de mãe e muito
menos por parte de pai pelos motivos citados acima. Perdi tios, mas com todo o
respeito, nem se compara.
Silêncio. Meu. E dela.
Ela passa a ponderar e eu peço que espere.
Estava ruminando a informação.
Logo eu. Escritor de contos e crônicas. Que abusa da morte e
da perda em minhas histórias. Como que eu, não sabia nada daquilo?
O que é o luto? Pensei após algum tempo em silêncio. Como
todo autor do meu tempo, fui pesquisar. Descobri que o luto que representamos
na cor preta aqui nas Américas, são representados pela cor branca na China. Sem
piadas com roqueiros por lá.
Já no Japão eles escolhem a cor azul. Mas, independente
disso, luto é o sentimento universal de tristeza profunda ao perder alguém.
Perder.
Questão de perspectiva.
Perder.
Eu sei sobre perder.
Rompi o silêncio e perguntei.
— Quando você diz perder, necessária precisa ser para a
morte?
E agora ela estava em silêncio.
Pensei em minha esposa. Pensei em todas as manhãs acordando
juntos. Em passar o café não como eu gosto, nem como ela gosta, mas sim no meio
termo. Nas séries que combinamos de ver juntos e eu não ouso dar play sem sua
companhia.
No sofá que ela dorme e eu às vezes durmo, pois até nossa
presença precisa de folga por vezes. Penso nas meias, no sabonete e as bolachas
Bauducco que dividimos. A pizza que religiosamente pedimos há 200 anos do mesmo
sabor. O toque atrás das orelhas, escovas de dentes, seu cabelo no ralo do
banheiro.
Seu riso em minhas piadas sem graça. A cocega em seus pés
que ela odeia. Seus traumas e os meus. Sua ojeriza por pimenta. Sua bad devido
a traumas passados e isso é só um resumo. E me pego pensando sem tudo isso.
Penso na ausência de tudo isso e sinto luto.
Luto pela perda.
Sentimento profundo de tristeza pela perda de alguém. Não
necessariamente para a morte, porém perder para mim mesmo.
Por mim mesmo.
Por minha causa e somente minha.
Perder por incompetência e eu tenho tantas. Tantas amarguras,
desgosto, todas as palavras do dicionário me trazem a segurança que luto é mais
que a morte de alguém.
É a perda.
Bento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário