Nada combina mais com um homem que um balcão de bar, um copo americano e os apelidos distintos dado ao dono do boteco; Ô chefia; Camarada; Bigode; Campeão; Corintiano;
Reconhecemos como nossa segunda pele os antigos azulejos quadrados com desenhos que parecem ter sido criado para botecos. Nos lembra talvez a saia da mãe e a vontade de se enfiar debaixo dela agarrando-lhe a perna quando temos problemas. Um boteco de São Paulo e um boteco no Acre provavelmente terão o mesmo modelo de azulejos.
As marcas do fundo do copo no balcão de madeira são nossas digitais, elas dizem tudo sobre nós.
Não estou falando de baladas, pubs ou bares refinados. “Tô falando de buteco”,
daqueles de esquina, de porta de aço, toldo azul, de mesas e cadeiras de ferro com rótulos de cerveja estampado em sua face. Onde não existe banheiro feminino.
Assim como uma igreja, um boteco jamais terá um ar alegre, pois são como um templo aonde vamos para refletir, para encontrar o equilíbrio da alma perdendo o equilíbrio do corpo. Embriagamos o corpo, a alma jamais, é por isso que o bêbado nunca esquece o caminho de casa.
As compotas de vidro com água amarelada são as imagens que cultuamos, onde prendemos nossos olhos e de joelhos oramos. Os ovos de codorna se transformam em olhos que nos vigiam e nos oferecem sua misericórdia diante dos pecados que já cometemos, estamos cometendo e com certeza iremos cometer aos montes.
Os amendoins são as hóstias que nos lembram de nossa carne ferida, castigada, salgada de suor latejante, lembra-nos de todo nosso sacrifício diário por quem amamos.
A cerveja, claro, representa nosso sangue sagrado que arregaça nossas veias e desce por nossa garganta levando ao ápice do dia.
A cervejada é nossa Santa Ceia, quando dividimos o pão com nossos irmãos. Irmãos sim, pois no boteco, nós homens dividimos o mesmo ventre da angústia.
O bar é nosso cantinho da leitura.
Alguns homens tentaram burlar as leis do templo levando o bar para casa. Em vão.
Taças de cristal, vinhos do porto, whiskys importados, esposas e crianças correndo em volta não combinam com boteco.
O serviço self service não combina com boteco.
É preciso os santos ouvidos do balconista para o desabafo.
É preciso o balcão como nosso confessionário.
É preciso a gordura no teto que faz do bar nossa Capela Sistina.
É preciso o som das pedras do dominó como música ambiente.
Carpetes não combinam com boteco. O chão precisa estar escorregadio pelos goles oferecidos aos santos.
É preciso um solo sagrado para se construir um boteco, sagrado, ungido por Deus, os anjos e os santos. San Remy, São Francisco... Estão todos lá.
E como em toda seita há um dia sagrado para se conectar ao paraíso, as sextas-feiras estão aí para não me deixar mentir.
Nós homens estamos para as mulheres como os muçulmanos estão para o Ocidente. Somos autodestrutivos em busca da paz eterna.
Se engana quem pensa que o ato de beber e encher a cara é prejudicial.
O álcool é o yoga do homem.
De fato, os problemas são aniquilados com o álcool, mas na ressaca eles voltam, todos eles, com o agravante da dor de cabeça e a sede. Porém é preferível a paz durante algumas horas do que nunca alcançá-la.
É quando o coração do homem é substituído pelo fígado.
E neste caso, é melhor que o homem preserve o órgão certo. O fígado é o ombro amigo, bem mais importante que o coração.
Bento.