segunda-feira, 10 de junho de 2013

COMO TATUAGEM, CHEIRO DE LIBIDO, ODOR DE VONTADE

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A agulha bate na minha pele e me faz lembrar: estou vivo. A dor, o incômodo da pele sendo picada várias e várias vezes, o sangue jorra pelos cortes. Isso é real, vivo. A dor. A dor. Respire, pense em outra coisa. Então eu saio da realidade por alguns instantes e vejo uma garota, minha garota. Com os cabelos dourados ela me olha como se estivesse esperado o dia todo por aquele momento. Como se tivesse contando os minutos e segundos por aquele abraço e o beijo intenso. Espera que eu coloque meus dedos entre seus cabelos da nunca e simule uma força, nada demais, mas o suficiente para demonstrar que eu também contava os minutos e os segundos para finalmente chegar aquele momento.

Ela olha em meus olhos e vê o mesmo olhar de sempre. Olhar de garoto que ganhou um presente, olhar de garoto que chegou num parque de diversões com algodão doce, palhaços, princesas, balões e tudo mais. Ela olha meus olhos e vê que toda vez que eles a miram é como se fosse a primeira vez. Como uma grande novidade, brilha como fogos de artifício, uma comemoração de meus instintos, de meus sentidos e todos estão em festa.

Volto à realidade quando a agulha bate firme num osso ou num nervo. Uma tempestade de dor, prazer e orgulho. Mais sangue. Mais dor. Dor que dura horas para um bem maior que será eterno enquanto eu viver. Visto-me com meus excessos e ideologias e ninguém pode me tirar isso. Mesmo que arranquem minha pele. Tento sair dali, é muita dor e quero voltar ao delicioso momento que desabotoou a blusa, me vejo em seus olhos e o hálito de minha garota invade minhas narinas como se dissesse: estou aqui e agora pertenço a você e suas vontades. Não confunda com submissão, é prazer, é carne. Apesar da falta de agulhas e tintas as situações não são tão diferentes. Não tem submissão, tem cumplicidade. É como um beijo com mais ardor, com mais intimidade. Um beijo de corpo inteiro. Chamem de sexo, de amor, não importa. É delícia.

Os olhos não desviam um do outro pois os sentidos estão todos atentos ao show sinfônico dos gemidos que entram pelos tímpanos e nos faz querer mais. É neste momento, neste único momento que os ouvidos e os pés e os joelhos e a coluna e o membro se unem num grande e único órgão. A medicina não pode explicar isso. As unhas rasgando a pele das costas podem. As coxas apertando a pélvis podem. Cientistas não. Isso é a natureza.

Mais alguns cortes na pele que me traz de volta ao trabalho artístico na tela da alma. Paramos com o trabalho para espreguiçar o corpo imóvel e trazer o sangue circulando novamente em minhas veias. Um cigarro para aproveitar a pausa. Recebo um elogio do artista pela força de vontade e por ser tão destemido diante da dor. Respondo que dor, neste corpo, não é novidade. É possível se adaptar a qualquer coisa, mesmo à dor. Ninguém quer sofrer, porém você se acostuma. Como o engolidor de espadas, o homem que deita-se na cama de prego. A vida é uma imensa cama de prego e brasas acesas que temos que aprender a deitar.

Volto à maca e ao trabalho árduo da agulha rasgando, riscando, pintando. Acompanho o trabalho e aprovo. Tanta dor irá valer a pena. Muita dor me leva ao devaneio. É minha forma de lutar contra ela. O que não é muito diferente de escrever. Escrevo expondo meus órgãos, minha intimidade para fugir da dor.

No devaneio abro o botão do jeans. Me apego a lingerie, pronto. Essa também já nos deixou. Agora é cheiro de libido, odor de vontade. A pele é branca como a neve, toda ela, toda a garota veste a neve como uma seda e vice-versa. Ali, quando é o único momento que desvio o olhar de seus olhos. Estou ali de corpo e alma. Não me encoste, pois pode levar um choque, tamanho a concentração e querer. Lábios com lábios e vontade e corpos nus e tesão. Pés que viram mãos e afagam no intuito de não deixar nenhum pedaço de pele sem afeto. Nenhum poro sem carinho. Ali somos um, nada mais que um. Mas somos um numa cumplicidade ímpar e infinita. "Me possua" "Eu já a tenho, estou dentro de você" como a alma. Minh’alma. Marcados, como tatuagem.




Bento.

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