"Neste texto contém links para os contos citados, basta clicar nas palavras de cores distintas"
Desde pequenino eu
quis ser muitas coisas. Sempre fui um desajuizado, desajustado e incoerente.
Lembro-me de querer ser advogado por assistir Advogado do Diabo e desejar
àquilo. Os filmes continuaram sendo um prazer mesmo quando muito jovem e eu já
quis ser cineasta de Hollywood. Cinema sempre foi um desejo imenso. Queria
inventar histórias e eu sempre fui bom nisso. Depois de um tempo eu quis ser
Rockstar e consegui. Claro, nada comparado às minhas bandas favoritas, digo
isso por tamanho sucesso. Porém, consegui alcançar shows inesquecíveis e noites
intermináveis, garotas e bebedeiras gratuitas que meus amigos podem testemunhar
em minha defesa. Claro que tem ainda muito a ser feito, no entanto, as
histórias pra contar são muitas.
Uma coisa que eu nunca
quis e nunca me permiti foi a profissão de palhaço. Nunca gostei de circo,
entretenimento barato. Ora, mas quem sou eu? Quem sou eu para criticar uma
profissão tão reconhecida? Bom, este é meu texto, resguardo-me o direito de
dizer o que bem entender. Nunca me permiti entreter nem servir de passatempo
para ninguém. Erros ou não, foda-se, não me use de forma que não seja mútua.
Atração por atração que pelo menos sejamos concordantes e condescendentes
espectadores, caso contrário eu dispenso. Mais tarde quis tornar-me escritor,
coisa que me coube ainda em contar histórias, bem como cineasta e Rockstar, mas
desta vez com um pouco menos de vaidade. Continuaria com minhas histórias e
personagens, todavia, a escrita quem me domaria neste caso. Então hoje
finalmente sonhei. Eu já disse em alguns dos meus textos que pouco me lembro
dos sonhos que tenho. Acredito que sonho mais acordado que dormindo, deve ser
isso.
Alguns eu até lembro,
mas trato logo de tentar esquecê-los. Não pensem que estou falando de pesadelos,
isso é outra coisa. Estou falando de sonhos mesmo.
Mas sonhos que nunca
irão se realizar é melhor tratar de expulsá-los da memória, pois servem só pro
desagrado matinal.
Hoje sonhei que as
personagens que criei em meus contos ganhavam vida e conversavam comigo.
Ferozes eles me impunham um final mais feliz nas suas tristes histórias.
O beija-flor exigia
suas asas de volta, colocaria o dedo em riste se o tivesse. Disse nunca em sua
vida de beija-flor ter ouvido falar de um que não tivesse asas. Que a
espécie era famosa por causa disso, pela possibilidade de parar no ar e sua
velocidade ímpar em bater suas asas. E com os olhos cheios de lágrimas ainda me
confessou sobre seu amor pela Rosa Branca. No fim chegava combinar choro e
soluço na mesma frase. O que tornava difícil a compreensão.
Eu, me sentindo um
pouco pai dele, criador da situação da qual se encontrava e não posso negar,
sentindo-me um pouco culpado também disse que não poderia fazer nada sobre.
Disse ainda que
entendia sua mágoa, pois tinham me tirado as asas também e que sua história era
um reflexo da minha. Só poderia mudar a dele quando a minha tivesse um final
diferente.
O beija-flor não
aceitou minha resposta, porém quando iria contra-argumentar o Cabo Procópio
tomou sua frente com sua postura ereta de militar me deixando um pouco
assustado, disse que sua história deveria ter terminado diferente. Que ele
deveria ter morrido na guerra, ele não queria viver sem ter em quem pensar, com
quem viver, com quem desabafar. Entretanto tantos que morreram na guerra e
deixaram suas famílias a sós.
Quando o Cabo terminou
não demonstrava lágrimas, mas tentava esconder as mãos tremulas, não sei se era
nervosismo, tristeza ou sintoma da guerra.
Respondi ao Cabo que
não poderia deixá-lo morrer na guerra, do contrário não haveria história e ele
nunca existiria. E que assim como seu autor ele estaria fadado a viver sua vida
como o Destino decidiu, ou não viver.
Talvez fosse por causa
de sua doutrina como soldado, mas o Cabo me surpreendeu com a atitude de me dar
as costas e aceitar meus argumentos sem reclamar.
Preparando-me para
acordar vi Domênico, ou se preferirem, o Dom, se acotovelando entre a
multidão de personagens para chegar até a mim.
Domênico estava
irreconhecível. Pálido e magro vi que tinha dificuldade de se movimentar.
Quando se aproximou a
ponto de poder enxergar seu corpo inteiro, descobri que o motivo do seu andar
rastejante e sua aparência deprimente eram os três tiros no peito que havia
recebido de uma de suas amantes.
Um dos tiros tinha
atingido seu pulmão esquerdo e ele falava com dificuldade. Tanto que teve que
agarrar-se em meu colarinho para falar em meu ouvido.
- Eu nunca quis terminar assim. Você mais que
ninguém sabe que eu não queria esse fim.
Sua fala era uma
mistura de tosse com cochicho. Continuou.
- Eu quis mais que tudo nessa vida um amor, alguém que eu pudesse contar
meus segredos. Alguém que conhecesse meus defeitos e os aceitassem. E sei que
você tinha o poder de me providenciar isso, mas não! Sempre preferiu atender os
caprichos de Dom, aquele crápula, aquele cafajeste...
Neste momento achei
que Domênico, ou Dom, ou os dois morreram novamente tamanho era a falta de ar
dos dois. O corpo semiputrefato debatia-se em colapso. Aquele tiro tinha
causado um grande estrago.
Mas não era a morte,
era Dom que reivindicava seu direito de também falar.
Dom como sempre, com
sua personalidade totalmente oposta da de Domênico, me surpreendeu mesmo assim,
quando reparei o sorriso em seu rosto. O desabafo de Dom foi surpreendente por
não haver desabafo. Dom me agradeceu...
- Como
poderia eu, um gentleman, reclamar de meu pai, meu criador? Principalmente
quando ele é criador de um final sheakesperiano como este, uma linda história
de amor, egocêntrico, mas amor. Romance, tragédia, digno de uma continuação. A
verdade é que aquela vidinha que eu levava já estava muito pra baixo. E
convenhamos, o Domênico é um chato. Sempre com aquela choradeira de amor pra
lá, amor pra cá. Minha paciência já tinha acabado mesmo.
Fiz questão de dizer
aos dois que fiz o fim de ambos não pensando em um ou em outro. O fiz esperando
o pior, como sempre. Esperando assim que o Destino me surpreendesse.
Eu agradeci os elogios
de Dom, mas acho que deveria respeitar mais a vontade de Domênico.
- E você Domênico como pode exigir de mim um final feliz se eu mesmo não acredito em
um. Não sei o sabor de um.
Eu sou só um
escrevinhador, se é que posso me descrever assim. Um escritor não reconhecido, um
dramático mal humorado. Não exija de mim mais do que eu posso dar.
E todos reclamavam.
O Pedro que pedia para
eu converter a vizinha velha e crente em roqueira para que as reclamações
cessassem.
Enésio que pedia seu
pênis de volta, pois o que seria de Enésio sem pênis? Enésia talvez? E já era
visível alguns de seus traços masculinos dando lugar aos caprichos de mulher.
- Enésio
meu filho. Sou apenas um poeta de veia dramática, criando histórias tristes.
Com uma relação de dependência com meu próprio pênis. Um homem como qualquer
outro, letrista amaldiçoado pela miséria que vê prazer apenas no que o membro
pode nos oferecer. Assim sem mais. E sem ele, seria eu mais uma personagem
reclamando de meu Criador.
E todos os outros
mortos em meus contos que tentavam chegar mais perto, como num filme de horror
oitentista, trash, com cheiro de corpos em decomposição. Sangue seco em seus
corpos, miolos pendurados, tripas arrastando no chão, bem como Carolinne e logo depois Helena
trazia os restos de Cidão num saco plástico preto arrependida de abandoná-la. Amapolo ainda tinha vestígios das penas de sua época como pombo exigindo de mim
que eu o fizesse voar. Alaor gostaria de um pai hétero.
Rodrigo Paulo que de
Paulo não tinha nada me exigia no mínimo um whisky novo. E Patrício gostaria de
um novo capítulo para que pudesse continuar em sua ânsia de assassino. Entre
tantos outros personagens que exigiam de mim mais do que eu poderia dar no
momento. Logo, depois do primeiro drink do dia, após o café e o cigarro, dentre
outras discussões comigo mesmo e com outras pessoas, concluí que fui autor
também de algumas paixões em minha vida. Que uma garota magricela em questão
não passou de uma personagem que eu mesmo criei. Que os sonhos que tinha com
ela todas as noites não passavam de uma premonição do que aconteceria com todos
os outros personagem dos contos que criei.
Dei a luz uma garota que
eu achava que pudesse existir, com pernas finas, barriga chapada, tatuagens e
com uma beleza ímpar, tal qual só poderia ter saído de minha mente fértil.
Jamais existiram beijos e apartamentos com camisetas velhas de Rock n' Roll,
drinks durante a madrugada e diálogos instantâneos sobre o cotidiano e as dores
do mundo. Nasceu de mim, nome, sobrenome, pintas, defeitos e dedos dos pés.
Tudo meu. Eu criei, mas não passara disso. Outro sonho com outra personagem, que
acima até de Alicia, além de mais sexy, mais cruel ainda.
Enfim acordei, abri um
whisky novo e resolvi escrever linhas de contos mais realistas e parar de
sonhar.
Bento.
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