Existe uma
literalidade dentro de mim que não cabe ao autor julgar se tens qualidade ou
não. Isso pode impressionar às vezes, pode causar estranheza em outras, até
alcanço certos objetivos interessantíssimos por meio desta, só que não me
apetece. Mas tenho de confessar, um dia houve a caretice cravada em meu peito
que arranquei-a sem medo de sangrar. Não que eu me esforce para isso ou aquilo,
as coisas simplesmente acontecem. Para alguns eu sou só um metido a poeta e o
que escrevo não tem significado nenhum. O que eu posso dizer? Sou um poeta autossuficiente
e deixei as amabilidades já faz algum tempo. É preciso lamber a sarjeta para
sentir o sabor das minhas letras.
Eu passo muito tempo
pensando nas anomalias características de minhas escolhas imprecisas e
inconscientes, sem expectativas, sem lamentações no final, pois com o tempo
você se acostuma sempre com o pior de todo mundo. Outro dia me disseram que
meus textos, minhas histórias, são todas muito cheias de depressão, cabalísticas
talvez. Eu digo que são só mais próximas da realidade, da realidade da maioria,
afinal nem tudo começa com "era uma vez" e termina com "felizes
para sempre" como todo mundo espera. Algumas pessoas passam a vida toda
como se estivessem nus em plena Avenida Paulista e morrem com a solidão do sol,
bom só quando longe, bem longe.
Por um bom tempo da
minha vida eu vivi nos piores lugares da cidade, bebendo coisas da pior
qualidade, pois nos meus bolsos tinham apenas cigarros amassados e algumas
moedas para manter-me por fora da realidade por algumas horas. Muitos pensam
que beber é como fugir, ou um ato de covardia e isso não é nem de longe
verdade. Na verdade é de uma imbecilidade do tamanho do mundo, uma coisa que
beira o ridículo e a ignorância. É preciso culhões para abrir as portas dos
seus mais profundos sentimentos e consciência. É preciso coragem para querer
descobrir a verdadeira personalidade que escondemos por debaixo da máscara e de
nossos conceitos básicos de regras que escolhemos como base para forjar a
imagem que desejamos que o mundo veja. Não é fácil abrir mão disso e não é
fácil conhecer-se verdadeiramente, é bem possível que não gostemos do que
vemos. É isso que o álcool faz com você, liberta-o das mentiras, da
mediocridade de podar a insanidade aprisionada neste corpo.
Durante muito tempo eu
via-me morando num porão úmido, com a companhia de lesmas, ratos e baratas.
Traças e teias de aranhas faziam a decoração do lugar e havia textos e músicas espalhados
por todas as paredes. Talvez tenha sido a minha pior fase, ou o final dela. É
preciso estar no fundo de tudo, no cú do inferno astral, é preciso enfiar a
cabeça na merda para buscar fôlego e sair dela depois. Eu não estou dizendo que todos precisam
conhecer o abismo da morte para continuar vivendo, algumas pessoas passarão
pela vida sem sequer compreender o motivo de tudo ou de nada. Porém, não
conheço nenhuma pessoa que valha a pena ser citada que não tenha passado por
boas sucessões de insucessos. Depois disso, tudo muda e você não vai querer ser
outra coisa. Quando sentimos algo à flor da pele, queremos que tudo seja assim
e viciamos. Só que a maioria das coisas e pessoas são tão insignificantes que
elas não nos bastam, queremos mais e mais. Viciados em sentir.
Bom, hoje eu me vejo
em tempos bem melhores e não dou a mínima, pelo menos não dou o valor que eu
dava há anos. Alguns hábitos nunca nos abandonam. A visão do submundo nunca nos
deixa. Então quando ouço sobre fossos de lamentações entre outras coisas me soa
como convite para um parque de diversões.
E depois de passar por
escuridões e por algumas vinganças contra meu próprio ego, mesmo depois de tudo,
as vésperas dos dias quinze de agosto ainda me incomodam, assim como um peito
mofado me faz querer passear por ele.
Bento.
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