quarta-feira, 14 de agosto de 2013

VÉSPERA DE QUINZE DE AGOSTO AINDA ME INCOMODA

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Existe uma literalidade dentro de mim que não cabe ao autor julgar se tens qualidade ou não. Isso pode impressionar às vezes, pode causar estranheza em outras, até alcanço certos objetivos interessantíssimos por meio desta, só que não me apetece. Mas tenho de confessar, um dia houve a caretice cravada em meu peito que arranquei-a sem medo de sangrar. Não que eu me esforce para isso ou aquilo, as coisas simplesmente acontecem. Para alguns eu sou só um metido a poeta e o que escrevo não tem significado nenhum. O que eu posso dizer? Sou um poeta autossuficiente e deixei as amabilidades já faz algum tempo. É preciso lamber a sarjeta para sentir o sabor das minhas letras.

Eu passo muito tempo pensando nas anomalias características de minhas escolhas imprecisas e inconscientes, sem expectativas, sem lamentações no final, pois com o tempo você se acostuma sempre com o pior de todo mundo. Outro dia me disseram que meus textos, minhas histórias, são todas muito cheias de depressão, cabalísticas talvez. Eu digo que são só mais próximas da realidade, da realidade da maioria, afinal nem tudo começa com "era uma vez" e termina com "felizes para sempre" como todo mundo espera. Algumas pessoas passam a vida toda como se estivessem nus em plena Avenida Paulista e morrem com a solidão do sol, bom só quando longe, bem longe.

Por um bom tempo da minha vida eu vivi nos piores lugares da cidade, bebendo coisas da pior qualidade, pois nos meus bolsos tinham apenas cigarros amassados e algumas moedas para manter-me por fora da realidade por algumas horas. Muitos pensam que beber é como fugir, ou um ato de covardia e isso não é nem de longe verdade. Na verdade é de uma imbecilidade do tamanho do mundo, uma coisa que beira o ridículo e a ignorância. É preciso culhões para abrir as portas dos seus mais profundos sentimentos e consciência. É preciso coragem para querer descobrir a verdadeira personalidade que escondemos por debaixo da máscara e de nossos conceitos básicos de regras que escolhemos como base para forjar a imagem que desejamos que o mundo veja. Não é fácil abrir mão disso e não é fácil conhecer-se verdadeiramente, é bem possível que não gostemos do que vemos. É isso que o álcool faz com você, liberta-o das mentiras, da mediocridade de podar a insanidade aprisionada neste corpo.

Durante muito tempo eu via-me morando num porão úmido, com a companhia de lesmas, ratos e baratas. Traças e teias de aranhas faziam a decoração do lugar e havia textos e músicas espalhados por todas as paredes. Talvez tenha sido a minha pior fase, ou o final dela. É preciso estar no fundo de tudo, no cú do inferno astral, é preciso enfiar a cabeça na merda para buscar fôlego e sair dela depois.  Eu não estou dizendo que todos precisam conhecer o abismo da morte para continuar vivendo, algumas pessoas passarão pela vida sem sequer compreender o motivo de tudo ou de nada. Porém, não conheço nenhuma pessoa que valha a pena ser citada que não tenha passado por boas sucessões de insucessos. Depois disso, tudo muda e você não vai querer ser outra coisa. Quando sentimos algo à flor da pele, queremos que tudo seja assim e viciamos. Só que a maioria das coisas e pessoas são tão insignificantes que elas não nos bastam, queremos mais e mais. Viciados em sentir.

Bom, hoje eu me vejo em tempos bem melhores e não dou a mínima, pelo menos não dou o valor que eu dava há anos. Alguns hábitos nunca nos abandonam. A visão do submundo nunca nos deixa. Então quando ouço sobre fossos de lamentações entre outras coisas me soa como convite para um parque de diversões.

E depois de passar por escuridões e por algumas vinganças contra meu próprio ego, mesmo depois de tudo, as vésperas dos dias quinze de agosto ainda me incomodam, assim como um peito mofado me faz querer passear por ele.


Bento.

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