Eis que finalmente, depois de tanto tempo me prostrei diante
do teclado, numa preguiça de urso, e parei para escrever. Tamanha preguiça que
trouxe comigo a garrafa do bar e deixei ao meu lado, tudo ao alcance das mãos:
whisky, copo e cigarros. Devem estar se perguntando: mas e o isqueiro? Claro
que esqueci o isqueiro e tive que levantar-me para pegá-lo. Isqueiro, quando
não esqueço eu perco e demoro até acha-lo, por isso eu tenho muitos. Deixo-os
espalhados pelo quarto para dar corda a minha preguiça, assim como faço com
cinzeiros, tenho bem uma meia dúzia deles em pontos estratégicos para que nunca
falte num momento de necessidade. Raramente os limpo, se querem saber. Não
limpo por preguiça, mas também pelo sentimentalismo. Sempre fui sentimental a
ponto de guardar a mistura ao lado do prato para comer por último. O melhor
para o final. Tão sentimental que, quando criança, tomava Yakult pelo fundo do
pote que era para durar mais. Mantinha o lacre intacto, mordia o fundo, um
minúsculo furo no fundo e o minimalista Yakult durava vários minutos até
acabar. Lembro uma vez que bebi metade do pote e guardei metade para mais
tarde. Logo, sinto sempre que esvazio um cinzeiro. Cada bituca é uma lembrança.
Tenho um cinzeiro em casa que guarda bitucas de anos atrás. Um cinzeiro
especial, dado por uma pessoa que não me dará nada mais que ausência, então,
tão sentimental que sou, guardo.
Mas queria dizer que depois de tanto tempo parei para
escrever. Ufa. Fazia tempo que não desligava a TV, preparava um drink e
escrevia. Não escrevia e não era só por falta de tempo, também era falta de
tempo, cansaço, mas também porque não conseguia escrever. Curioso é que até
pouco tempo atrás eu estava me passando a perna, me enganando, dizendo a mim
mesmo que estava tudo como sempre esteve, até começarem a me dizer que eu
estava repetitivo. Até aí tudo bem, todos temos nossas fixações e obsessões.
Mas foi quando me chamaram de "sereno" que eu me dei conta: estava
perdendo o jeito. Por isso tive que desmarcar compromissos, fechar contas em
bares, negar convites para festas, sexo, shows e me trancar para escrever.
Nisso escrevi dois contos e matei uma garrafa. Fora uma noite proveitosa, à de
convir.
No entanto, escrever já foi mais fácil. Antigamente escrevia
em qualquer lugar, qualquer paisagem. Prostrava-me em frente ao teclado e as
palavras encavalavam em minha mente. Hoje em dia é menos. Passei uma semana suando
sangue para terminar um texto que sequer deveria ser visto por outras pessoas,
mas em época de seca qualquer mulher vira Miss, com textos não deverá ser
diferente. Alguém, não me lembro quem, talvez não seja digno de nota, me disse:
- Você está fraco de musa. E ainda completou - o que é um autor sem uma boa
musa?
Peguei-me pensando em tal premonição. Não consigo me lembrar
quem me disse isso, mas fiquei mastigando a frase: o que é um autor sem uma boa
musa?
Eu tenho no álcool uma musa interminável, sem o álcool eu
seria um pé no saco. Porém, ninguém pode passar a vida escrevendo sobre uma
coisa só. Um bom autor tem que falar mais, sobre mais coisas, caso contrário
será um chato e nós já estamos muito bem servidos de autores chatos por aí. O
dia que só me restar uma coisa para falar começo escrever livros espíritas, ou
autoajuda.
Continuo sem adoecer. Não pensem que estou torcendo para
pegar uma gripe ou um ataque da gastrite, porém como eu disse antes é bom
sentir alguma coisa para lembrar-me que estou vivo. Não adoeci mas senti algo
voltando para casa, assim, sem mais nem menos. Sentado no trem, lia Bukowski e
ouvia AC/DC ao mesmo tempo. Isolado lembrei que tinha marcado hora no tatuador
e o salário estava na conta, tudo parecia em seu devido lugar. Ali, naquele
momento, aqueles cinco ou seis segundos eu senti algo, quase que parecido com
felicidade, não sei, não posso garantir, mas bem que parecia. Depois passou.
Assim como veio, passou. Recebi um telefonema logo depois e era uma garota que
conheci e saímos durante um tempo. Ela talvez quisesse buscar um par de brincos
ou qualquer outra coisa que ela dizia ter esquecido por lá. Tudo truque,
verifiquei todos os cantos de casa da outra vez que ela ligou perguntando da
medalhinha que ganhara da sua mãe. Ela queria me fazer uma visita e eu não
estou pronto para ela. Eu não sou páreo para ela. Eu sou excêntrico demais e
ela, normal demais. No entanto eu já sei onde isso iria parar e como iria
acabar. Já conheço essa história porque ela é minha história. Passamos juntos uma
noite de sábado, bebendo, fumando, transando e ela me ouvindo profetizar
sobre o apocalipse social e achou que na segunda-feira eu voltaria ao normal.
Pensou que eu vestiria um terno azul, pentearia meu cabelo para o lado e a
levaria para jantar. Pensou que eu conheceria seus pais e eles me achariam um
cara decente e que eu os acharia boas pessoas. E que almoçaríamos juntos aos
domingos e eu não falaria palavrão nem beberia na frente dos velhos. Ela achou
que seus parentes não ligariam para minhas tatuagens pornográficas e que eu
iria à igreja aos domingos. Ela pensou que eu acharia graça dos seus amigos de
infância imbecis e suas piadas medíocres. Ela achou mesmo que na segunda-feira
eu voltaria ao normal depois de passarmos mais uma noite de sábado bebendo,
transando, fumando e profetizando sobre o apocalipse social. O que ela não
sabia é que eu sou uma eterna noite de sábado, que apesar de uma vez ter sido
chamado de domingo, eu sou uma eterna noite de sábado e assim como ninguém quer
viver para sempre num domingo, ninguém quer uma interminável noite de sábado.
Bento.
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