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Quando eu, numa conversa qualquer, de bar ou mesmo
dividindo um cigarro na porta do trabalho, digo que já sou velho, presencio
sempre as mesmas reações: "como velho? Vinte e poucos só." e mais
"Cê é jovem ainda, tem a vida toda pela frente". Esta última é a que
mais me chamou atenção pela controvérsia da frase e eu explico; a vida toda da
tartaruga, por exemplo, dura mais de cem anos. CEM anos. Já a vida toda da
borboleta dura um dia.
O que eu quero dizer é que para viver a "vida
toda" basta nascer e morrer.
Na minha adolescência eu tinha derramadas em meus ouvidos
àquelas teorias malucas e histórias saudosistas pelos adultos e principalmente
pelos velhos de ter rugas até na orelha e achava tudo muito chato. Hoje,
adulto, me pego tentando ajuizar um primo ou amigo mais novo que eu e penso que
pelo menos sou um velho mais legal, no mínimo. Mas ainda um velho.
Eu sou do tempo que se fumava em qualquer lugar, prédios,
elevadores, bares, tudo.
Lembro-me da minha mãe me dando bronca na escola com o
cigarro na mão. O cigarro era a dica de que se ela precisou apelar para a
nicotina é que a surra estava virando a esquina de casa.
Um dos motivos que faziam das surras visitantes
indesejadas era minha teimosia de ir ao fliperama, coisa que Dona Cida, minha
mãe, proibia. Notaram? Fliperama! Que coisa mais antiga, ninguém vai ao
fliperama hoje em dia, os jogos estão dentro de casa.
Por falar em surras, lembro-me das brigas de garotos na
rua. Por motivos idiotas que naquela idade eram seriíssimos, bem como, pipas,
futebol na rua e figurinhas. Brigávamos e todos os outros garotos ficavam em
volta como uma rinha de galos. Cada um fazendo suas apostas e torcendo por um
ou outro lutador.
No entanto, aquelas lutas não atrapalhavam a amizade,
duas ou três horas e estávamos todos sentados na calçada bolando uma molecagem
para aprontar. Não sabíamos o que era rancor naquela época. Hoje em dia tudo é
resolvido com armas e morte.
O mundo está mais intolerante e rancoroso.
Eu sei, devem estar imaginando agora um senhor pós-crise
de meia idade falando sobre isso, mas de fato é no mínimo intrigante que eu com
meus vinte poucos anos me sinta tão distante das pessoas que nasceram apenas
uma geração depois da minha.
Falando em geração, ouço sempre pais, mães e tios
exclamarem que a juventude de hoje perde-se em temperamentos e perde-se na
juventude boçal. Quanta hipocrisia. Repito com exclamação e tudo: quanta
hipocrisia e ignorância!
Com exceção daqueles jovens que vieram ao mundo através
dos ovos da cegonha a juventude de hoje e de amanhã são crias dos mesmos velhos
ensandecidos que ridicularizam as atitudes “aborrecentes”. É o criador
reclamando da própria cria. Seria mais ou menos como olhar no espelho e
queixar-se de sua própria imagem e semelhança.
Pura hipocrisia digo eu. Velhos passando o atestado de
seus fracassos. Pudera. Deram-nos os mimos que não tiveram, agora chupem.
No entanto, tudo isso é tão antigo que eu mesmo me vejo
inadequado. Atualmente tudo é o mais sombrio possível, até impossível.
Evidentemente que não são os pipas, as conversas nas
calçadas e fliperamas que vão fazer tudo menos entediante. São outras coisas
mais carnais. Talvez, mais sentimentais. Ô gente para ficar sentimental, nós
que somos velhos.
Quer coisa mais tediosa que aparar pelos do nariz?
Eis que já me vejo na fofoca da janela. Ou então, até
quem sabe, aos dominós de manhã com o aroma de pão fresco da padaria.
Bento.
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