Quando eu era jovem sempre fiquei intrigado quando ouvia os professores falarem
sobre pensadores. Nas salas de aulas cheias de moleques encrenqueiros como eu,
e eu era sempre o pior - segundo estes mesmos professores - por que eu entendia
que o cara ganhava um salário só para pensar. E lá ficava eu pensando com meus
botões, imaginando um cara que colocava seu despertador programado para acordar
às seis da manhã, tomava seu banho, ligava a TV no jornal matinal enquanto
vestia-se e tomava o café da manhã. Colocava comida para os cachorros, para o
gato e ao invés de sair de casa rumo ao emprego como fazia minha mãe e meus
irmãos de manhã enquanto eu me arrumava para ir para a escola o pensador
simplesmente sentava numa varanda com sua xicara de café e com seu dedo
indicador pressionando a têmpora ficava lá, pensando. Soprava a fumaça do café
fumegante pensando e anotando as coisas que entendia ser importantes. Então de
repente, nota-se a hora do almoço e pronto! Para de pensar um pouco para
alimentar-se e uma hora depois voltar ao trabalho. Sempre imaginei isso como a
coisa mais chata do mundo, ou pelo menos UMA das mais chatas. Perguntava-me eu,
quem em sã consciência, escolheria ser um pensador? Depois de velho fui
perceber que trabalhar num escritório enviando relatórios, atendendo telefones,
tendo que pegar ônibus e metrô lotados de gente que fazem coisas bem parecidas com
as minhas é bem pior que a vida que eu imaginava que o pensador levava.
Mais velho ainda comecei a invejar
tanto a vida dos pensadores que passei a desejar uma vida igual. Afinal,
trabalhar em casa, para gente como eu que suava frio quando ouvia notícias
sobre greve do metrô seria maravilhoso.
No fim descobri que pensador pode ser
qualquer um de nós e não necessariamente ganhamos algo para isso. Mais ou menos
como a música, nem sempre os melhores são reconhecidos. Com isso cheguei à
conclusão que o problema não são os pensadores ou os músicos, ruim mesmo é
envelhecer. Tantas ilusões.
Por esses dias peguei uma gripe e me
entupi de remédios. Todos aqueles conhecidos que prometem curar a gripe e até
um ou outro que consegui clandestinamente sem receita para curar-me. Adiantou
momentaneamente, pois cinco dias depois cai de gripe de novo.
Tenho um grande problema com
medicamentos e contra eles, pois enquanto os consumo não posso beber e isso é
um problema enorme. Está certo que vez ou outra misturei vodca com xarope para
curar a gripe e fiquei numa loucura tamanha, mas isso é uma história para
contar em outro momento. Por isso só me medico em último caso, pois acredito
piamente que não há doença que o álcool não possa curar, com exceção da doença
da idiotice, essa... Nem Deus poderia. Enfim, estava com uma gripe longínqua e
devido a conselhos familiares e de minha namorada resolvi tomar antigripal e
antibiótico. Veja minha situação, sou corintiano desde que nasci, qualquer
coisa que envolva a palavra anti já me causa descrença instantânea. Bom,
resumindo; claro que não deu certo. Acabou que eu fiquei no remédio, sem beber
uma gota de álcool e não melhorei. Mas... E friso o "mas" por que
realmente deve-se chamar atenção ao fato. Então, é justo que pare, respire
profundamente e se diga, lá do âmago; MAS... bastou uma boa noite de bebedeira
com destilado e escrita para a coriza recolher-se ao nariz, a garganta dar a
pausa à tosse e tudo mais ir pra casa do caralho. Tem gente que não acredita.
Acha exagero. Acha que é mentira de bêbado, porém afirmo que nunca tive uma
doença que o álcool não curasse.
Pensando nisso, enquanto doente e
tomando minha cagibrina, lembrei que a muito não parava para beber sem
preocupação. Digo, de pausar qualquer pensamento mesmo. Sem pensar em contas,
em relações, em trabalho. Apenas sentar, beber e sair escrevendo. Reparar em
cada aranha que faz moradia nos cantos do quarto. Em cada mancha de umidade. No
barulho do motor da geladeira da vizinha. No salto alto da nora da outra
vizinha quando ainda vira a esquina, que chega de madrugada voltando da balada,
e logo depois pega o molho de chaves na bolsa para abrir o portão. Os carros
que passam e raspam o assoalho na lombada. E os gatos correndo brincando no
telhado. E no momento que escrevo isso lembro de quando adolescente, quando
trabalhava de office-boy sonhava em estar em casa, ouvindo Frank Sinatra, com a
chuva de dez dilúvios batendo na janela, frio de matar, e eu dentro de casa
tomando uma boa xícara de café preto para esquentar o corpo vestido de calça de
moletom e seres me pagando só para escrever. Vê que desde muito jovem eu era
velho e solitário? Nunca fiz questão de companhia. Nunca me senti sozinho
comigo mesmo. Sempre tive algo para reclamar, é claro, afinal escreveria sobre
o quê? Mas sempre fiz questão de manter-me sozinho pois minha companhia sempre
me foi suficiente. Evidente que vez ou outra você precisa da companhia de
outras pessoas para que não passe a vida dependendo de uma alegria
masturbatória, uma mão amiga vez ou outra é indispensável. Porém a solidão
assusta a maioria das pessoas. Hoje em dia solidão demais é confundida com
depressão, não sei se por influência da indústria farmacêutica, da mídia ou dos
analistas, mas acho que subestimamos uma boa solidão, estar só, falando apenas
consigo mesmo, e desvendando nossos próprios segredos. Tem gente que se assusta
com seus próprios pensamentos e por isso tenta sempre estar rodeado de pessoas.
Se o sujeito não consegue se abrir com ele mesmo, algo está errado. Quer um
exemplo? Somos tão mais tolerantes com nosso peido que com os dos outros,
claro. Peidamos debaixo das cobertas e cobrimos a cabeça. Cheiramos nossos
gases e damos risada. Já qualquer flatulência alheia nós achamos o fim do
mundo, pois o peido é tão pessoal e intransferível como nossos pensamentos mais
obscuros, mas ainda assim dividimos com poucos que conquistam nossa confiança.
Digo mais, passei meses segurando
peido no começo de meu namoro. Tanto que por várias vezes tive que sair do
quarto só para peidar e era um alívio do tamanho do mundo. Hoje, ainda bem, eu
e minha namorada dividimos nossos peidos como dividimos uma mesa num
restaurante, ou uma pizza.
Sendo assim, acredito piamente que a
solidão nos ensina humildade. É preciso reconhecer nossos defeitos para lidar
com o defeito dos outros, qualquer coisa diferente disso se transforma em
hipocrisia. Então depois disso tudo, digo para aqueles que ainda permanecem
descrentes com a solidão, friso que a pior solidão não é aquela que você sente
quando está só, num quarto escuro ouvindo blues e tomando algo forte. Ou quando
se está numa cabana no meio do mato tomando café e relendo um livro clássico.
Não é a solidão de término de namoro onde se fica em casa comendo chocolate e
assistindo comédia romântica, nem a solidão de uma prisão tão pequena que mal
consegue ficar ereto. Não, pois esse tipo de solidão tem também a ausência de
esperança. Você não espera nada dela. É tão somente você e um grande vazio.
Assim ficamos alheios a tudo, nada pode nos atingir. Somos invencíveis,
inabaláveis, imortais e inatingíveis.
Digo que a pior solidão é aquela que
sentimos quando estamos no meio de uma multidão ou num relacionamento de via
única. Quando percebemos que o próximo não tem tanto interesse em nós como
temos deles. Afinal, nestes casos, a solidão vem junto da frustração de esperar
e esperar que o outro indivíduo sinta prazer de sua companhia e se alegre pelo
simples fato de te ver feliz. Essa solidão, sequer um mar de whisky poderá dar
jeito.
Bento.
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